Jesus, a Chave que abre as Escrituras
“Cristo é o Mestre, as Escrituras são apenas o servo. A verdadeira prova
a submeter todos os Livros é ver se eles operam a vontade de Cristo ou não.
Nenhum Livro que não prega Cristo pode ser apostólico, muito embora sejam Pedro
ou Paulo seus autores. E nenhum Livro que prega a Cristo pode deixar de ser
apostólico, sejam seus autores Judas, Ananias, Pilatos ou Herodes” (Martinho Lutero).
Os evangelhos são narrativas históricas das ações e acontecimentos
relacionados a Jesus, bem como de Suas Palavras. O Evangelho, todavia, é um
espírito. Os evangelhos são o corpo. O Evangelho é o espírito no corpo.
Para muitos, os evangelhos são apenas narrativas. Para outros, eles são
palavras inspiradas. Para muito mais gente ainda, eles são apenas palavras
mágicas. E para a maioria, eles são somente os quatro primeiros livros do Novo
Testamento, sendo, portanto, parte da Bíblia Sagrada.
Todavia, o Evangelho é espírito e vida. Deus é espírito e, portanto,
Suas Palavras são espírito e vida, pois carregam o poder da verdade absoluta e produzem vida onde
quer que cheguem.
Para melhor entender, suponha que os evangelhos não tivessem sido
escritos. Decerto, sabemos que ainda assim, haveria um Evangelho a ser
anunciado até os confins da Terra como boa
notícia, visto ser o Evangelho um espírito, e não um livro.
Assim, o espírito do Evangelho é só uma forma de expressar-se acerca da essência da Palavra. É a plenitude da revelação. Trata-se da
forma de interpretação bíblica que olha para Jesus Cristo como a chave hermenêutica dessa revelação.
De modo algum se está dizendo aqui que só Jesus interessa na Bíblia,
mas, por outro lado, nada interessa senão a partir d’Ele e nada é Palavra de
Deus se não for compatível com Ele, por mais “bíblico” e “teológico” que seja!
Leio a Bíblia a partir de Jesus e não Jesus a partir da Bíblia. Assim,
meus livros não são considerados “teológicos” pelos teólogos, posto que nesses
escritos raramente haja uma designação hermenêutica teologicamente aceitável; e
nem tampouco há neles sistematizações que busquem o fechamento lógico de
qualquer pacote de pensamento.
Isso porque creio que Jesus – que é Deus
manifesto entre nós – abre as Escrituras para nós. Cristo é a síntese das
Escrituras e o Espírito da graça, é o
agente hermenêutico que me aproxima
do texto com a fé de que encontrarei a Palavra.
É a partir daí, então, que se interpreta a antiga aliança, os profetas
e todo o Novo Testamento. Isso porque Ele é a Palavra! A encarnação absoluta dela, o verbo
vivo de Deus, cheio de graça e verdade! E as próprias palavras de
Jesus só podem ser entendidas se tiverem sua concreção no Evangelho vivido por
Jesus de Nazaré.
Veja o livro de Atos dos Apóstolos: é um livro de atos, de ações. Mas
sabemos que os únicos atos absolutos e irretocáveis feitos na Terra são os atos de Jesus. Portanto, há Evangelho em
Atos, mas Atos não é o Evangelho. Digo isto porque se os critérios de Jesus
forem aplicados aos atos dos apóstolos,
os próprios apóstolos serão sempre relativizados.
Quando lemos Atos, não se lê o Evangelho
da graça – esse só está plenificado em Jesus –, mas a tentativa humana de
começar a viver conforme a fé em Jesus. E, em tal processo, há acertos, erros,
equívocos, ação do Espírito, infantilidades, ambiguidades, milagres,
diferenças, medos, ousadias, coragens maravilhosas, dúvidas atrozes, e todas as
demais coisas concernentes aos homens que vivem no Caminho. Assim, o livro dos atos
apostólicos é um livro de história, e não quer ser visto como o Evangelho.
A tentativa de dizer que a igreja é o Corpo de Cristo – e logo, Cristo
estava agindo como antes agira, só que agora em Seu Corpo comunitário – é bela, mas não é verdadeira como valor
absoluto. O Pedro que recebeu a revelação é o mesmo que recebeu a repreensão: “Arreda, Satanás!” (Mateus 16:23).
Em Jesus está toda a revelação
e toda a referência para se julgar e
entender o que quer que pretenda ser canônico. Onde o “espírito do Evangelho”
está presente, aí há o que levar para a alma e para a vida. No mais, vejo
registros históricos da infância da fé e da consciência permeando toda a
Escritura.
O exercício não é difícil: basta olhar para Jesus, fazendo um caminho de
observação. Deve-se perguntar: Qual o significado das falas e dos ensinos de
Jesus para o próprio Jesus? E a resposta é uma só: Veja como Ele tratou a vida,
a religião, os políticos, os pobres, os ricos, os doentes, os párias, os
segregados, os esquecidos, os seres proibidos, os publicanos, as meretrizes, os
santarrões, e tudo e todos. Conferindo uma coisa com a outra, ficamos livres da
construção de dois seres irreconciliáveis: o Jesus que viveu cheio de amor e graça e o Jesus que ensinou coisas que só os intérpretes autorizados conseguem “captar”.
Desse modo, então, não se faz jamais uma interpretação textual que não
coincida com o comportamento e com a atitude de Jesus na dinâmica de Seus movimentos
e encontros narrados.
Assim, eu confiro tudo com o espírito
de Jesus, conforme o Evangelho. Só assim Jesus não fica esquizofrênico ante
os nossos sentidos: o que Ele disse, Ele viveu; e o que Ele viveu, é o que Ele
disse.
“Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e nele estão todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (Colossenses 2:9).
“Ele é o resplendor da glória do Pai e a expressão exata do seu
ser, sustentando todas as coisas pela palavra de seu poder” (Hebreus 1:3).
Olhe para Ele, e tudo fica interpretado! O resto, irmãos, é invenção de
quem não quer lidar com gente e prefere lidar com letras.
E a leitura do Antigo Testamento?
“Eis aí vêm dias... em que firmarei nova
aliança... na mente (não mais em tábuas), lhes imprimirei
as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, eles
serão o meu povo... pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus pecados
jamais me lembrarei” (Jeremias 31:31-34).
Após tais exercícios devocionais sobre o Novo Testamento, muitos me
endereçam questões de perplexidade e confusão relacionadas aos conteúdos do Antigo
Testamento.
Mas estou certo de que esse conflito nem Paulo e nem o escritor de
Hebreus tinham, por exemplo. Digo isto porque Paulo recorre ao Antigo
Testamento, aos salmos e aos profetas, a fim de mostrar que aquela “fase humana”
havia ficado sepultada em Jesus; e que, conforme as mesmas Escrituras, em
Cristo começaria uma nova consciência, não como mandamentos de exterioridades,
mas como percepção fundada no amor, na justiça e na verdade – tudo isto
inscrito e gravado no coração.
Paulo também diz que a Lei foi dada, e com ela as causalidades e seus
efeitos, a fim de que se avultasse (exagerasse) a consciência do pecado em nós.
O próprio Paulo revelou que a Lei era parte da infância da consciência, pois
nos servia de guia, de servo que pega e leva para a escola – embora, agora, já
andando no Caminho pela fé, ele diga que já não se precisa mais da Lei-babá.
Além disso, toda a argumentação do apóstolo acerca da justificação pela
fé conforme o dom da graça se
fundamentava nas declarações dos salmos e dos profetas; bem como, além do que
estava declarado abertamente nos textos, Paulo interpretava também o que estava
apenas implícito na leitura – e ele faz isso lendo a Escritura a partir de
Jesus, e não Jesus a partir da Escritura.
Isto porque Paulo lia o Antigo Testamento a partir da consciência
adquirida em Jesus. Ou seja: Jesus era a “chave hermenêutica” de Paulo e, a
partir dessa chave, Paulo interpreta
Abraão, Sara e Hagar, Ismael e Isaque, Esaú e Jacó e outros – sempre com o
propósito de mostrar como Jesus era o cumprimento de todas as coisas.
E foi também a partir da mesma “chave hermenêutica” que o escritor de
Hebreus interpretou os cerimoniais e os ritos descritos nos Livros da Lei,
discernindo seus símbolos, utensílios e arquiteturas.
A carta aos Hebreus chega ao ponto de dizer que Jesus era maior do que
Moisés, e maior do que tudo no Antigo Testamento; chamando o que era pertinente
à antiga aliança de coisa obsoleta e
sem utilidade, “antiquada, envelhecida e prestes a desaparecer”. Hoje,
ele diria que a antiga aliança era
chamada “velha”, dado seu prazo de validade vencido.
Assim, o que se tem no Antigo Testamento, na antiga aliança, é o seguinte:
1.
A justificação pela fé, mediante a qual todos foram justificados, de
Adão a João Batista. Hebreus 11 declara isto. E isso embora as pessoas vivessem
sob “o regime da Lei”, conforme Paulo. A justificação, entretanto, segundo
Hebreus e Paulo (em todas as suas cartas), sempre aconteceu pela fé, e nunca
pela Lei. Esta é, afinal, a tese de Paulo em Romanos e Gálatas, em especial.
2.
A busca humana de se justificar pela Lei; pois, estava dito que aquele
que desejasse se justificar pela Lei, esse teria que cumpri-la toda. E Jesus,
dando continuidade aos profetas, deixou claro que tal obediência à Lei deveria
ser por dentro e por fora. Mas é Davi quem diz: “Se observares iniquidade, quem, SENHOR, subsistirá?” (Salmo
130:3). Para então também declarar: “Bem-aventurado
o homem a quem o SENHOR não atribui iniquidade” (Salmo 32:2).
3.
A declaração, especialmente fundada no Livro de Jó, de que as
calamidades da vida não são absolutas quanto a determinar o juízo de Deus sobre
os homens. E Jó é a prova disso. Normalmente, todo homem acaba colhendo o que
planta, mesmo que isto não chegue com cara de calamidade. Muitas vezes, somente
a própria pessoa sente as conseqüências. Entretanto, conforme Jó e o
Eclesiastes, as calamidades não nos vêm como aplicativo absoluto de uma lei de causa e efeito; e, menos ainda,
têm elas o poder de justiça, pois, muitas vezes, é o homem inocente de certos
males aquele que recebe as suas conseqüências, e, outras vezes, aquele que faz
algo que deveria trazer um efeito negativo equivalente ao mal/causa praticado,
aparentemente, sai ileso. E o que ninguém sabe é o tamanho do desmonte na alma
desse ser, pois, quando não vem como mal externo (calamidade), sempre vem como
mal interno (medo, solidão, angústia, dessignificação existencial, amargura,
sofreguidão do ódio, desespero da morte, etc.).
4.
O que não há no Antigo Testamento é justificação sem sangue. Na antiga aliança, a própria Lei foi sancionada com derramamento de
sangue, conforme o primeiro rito de “vestimenta espiritual” praticado “por
Deus” no Gênesis, quando cobriu o homem e sua mulher com as peles de um animal
morto para vesti-los.
Assim, meus irmãos, no Antigo Testamento nós tanto temos a manifestação
da devoção humana de forma primitiva, assim como temos a linha-mestra de
indicação do Caminho, e que é uma linha carregada de sangue de bodes e de
touros; até que chegou o Cordeiro, que já havia sido imolado desde antes da
fundação do mundo (portanto, infinitamente anterior à Lei); e, n’Ele, toda a
Lei, tanto os mandamentos de conduta individual e social (os 10 mandamentos,
por exemplo) como também as leis e ritos cerimoniais, foram cumpridos; e, com
isto, tudo o mais se torna obsoleto, visto que o que agora prevalece explícita
e encarnadamente é o Evangelho da nova aliança;
e n’Ele, a obediência é conseqüência da fé que nasce do amor que nos amou primeiro e que Se entregou por nós.
Para os que ainda são da Lei, a emoção prevalente como “motor da
obediência” é o medo. Já no Caminho do Evangelho nada tem sentido se não for o
amor e a gratidão aquilo que movem o ser.
Por último, quero dizer que, na existência, existe causa e efeito em
tudo (na justiça legal, nas leis naturais, nas leis econômicas, nas leis
físicas, nas leis relacionais, nas leis conjugais, nas leis negociais, etc.) –
menos no que tange à salvação em Cristo, conforme o Evangelho.
No Evangelho, a lei fica para o Estado na regulamentação dos vínculos
sociais (Romanos 13). Mas ela, a Lei, nada tem a ver com a justiça de Deus para
salvação, que salva até o condenado pela lei como fez com o ladrão ao lado de
Cristo.
Assim, no tempo antigo, temos
gente tentando viver pela Lei, com toda sinceridade; temos gente fazendo de
conta que guardava a Lei, com toda falsidade; e temos gente que vivia sob a Lei
por fé e esperança num amor maior –
que os absolvesse dos rigores da própria Lei que os expôs como transgressores.
Quem se dedicar à leitura atenta dos evangelhos e das inúmeras
afirmações de Paulo em suas cartas, mas em especial Romanos de 9 a 11, saberá
que a finalidade da Lei é Cristo.
Jesus, a chave que abre o coração
“Perguntou-lhe Pilatos: O que é a verdade?” (João 18:38).
Ora, conquanto Jesus seja também uma informação histórica – afinal, Ele
existiu, e nós não estávamos lá quando isto aconteceu, razão pela qual
dependemos completamente das descrições que os evangelhos fazem de Jesus a fim
de melhor discernir Seu espírito –, no entanto, o discernimento de Quem Ele
era, só acontece como revelação de
Deus no coração.
A verdade não existe como explicação, mas tão somente como encarnação. A verdade se fez carne! É Alguém. A verdade é uma pessoa! Por
isso, a verdade só pode ser vivida,
não pensada. Todo pensamento acerca dela decorre da experiência. A verdade não é objeto de prosa... O Jesus
do Evangelho não é para ser aceito, mas para ser conhecido. A verdade que vejo em Jesus – encarnada n’Ele
– eu mesmo tenho que conhecer na minha própria encarnação, que é o único estado
de existência que eu tive até hoje.
Foi assim com Pedro. Ele conheceu a verdade
em Jesus, e teve que experimentá-la em si mesmo. E, provavelmente, o dia no
qual ele negou a Jesus, tenha sido um dia de muito mais verdade que a noite da transfiguração.
Portanto, é preciso que cada um conheça Jesus e Sua Palavra, para si
mesmo. É preciso que cada um aprenda a ter
sua própria consciência em fé, a fim de viver a Palavra por si mesmo.
Em resumo, a encarnação é a “chave
hermenêutica” do conhecimento bíblico, mas essa chave tem que abrir antes o meu
coração. E isto só acontece no encontro entre a verdade e a vida.
Ora, tal encontro só se dá no Caminho, e é a isso que chamamos consciência do Evangelho. Por isso,
aproveito-me deste trabalho para propor um exercício pessoal libertador:
· Quero convidá-lo a
pegar os evangelhos e relê-los como se fosse a primeira vez, e faça-o como se
nunca tivesse ouvido nenhuma interpretação deles. Pois, assim fazendo,
você logo saberá que o que eu digo é apenas uma nova repetição do que não muda nunca, pois quando se tenta mudá-lo,
nunca é para o bem, pois trata-se daquilo que é eterno: o Evangelho.
A necessidade de escrever a mensagem de Jesus veio do afastamento cada
vez maior da sua fonte histórica – o próprio Jesus de Nazaré (Lucas 1:1-4; João
20:30-31). Em meados de 70 d.C. já não vivia a quase totalidade das
“testemunhas oculares” do Senhor ressuscitado (Lucas 1:2; 1º Coríntios 15:3-8).
Esse distanciamento cronológico entre Jesus e as comunidades só poderia ser
vencido pela palavra escrita. E assim
se formaram as duas grandes coleções ou “corpus” das cartas de Paulo e dos quatro
evangelhos.
· Depois, eu gostaria
de enfatizar a necessidade de ler o Novo Testamento na ordem cronológica da
mais provável seqüência de sua produção: 1º e 2º Tessalonicenses, Gálatas,
Efésios, 1º e 2º Coríntios, Romanos, Colossenses, Filemom, Filipenses, 1º e 2º
Timóteo, Tito, 1º Pedro, Marcos, Mateus, Hebreus, Lucas, Atos, Tiago, Judas, 1º,
2º e 3º João, o evangelho de João, 2º Pedro, e Apocalipse.
Como alerta, devo dizer que o primeiro inimigo a ser vencido no estudo
bíblico é o pré-condicionamento na interpretação.
Então, meu querido, soda cáustica na cabeça, uma boa chacoalhada,
limpeza, e início de leitura pessoal e aberta para a Palavra e para o Espírito.
Então você verá que começará a surgir o Jesus real das páginas dos evangelhos!
Experimente!
Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos!
Um texto de Caio Fábio
D’Araújo Filho
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