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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Quando a Graça Suscita a Perversidade



          Em Mateus 20, na parábola dos trabalhadores da última hora, há uma questão de natureza essencial acerca da natureza humana quando exposta ao amor de Deus.

          “Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom?” — é a questão do “dono da vinha” — figura de Deus — aos trabalhadores da “primeira hora” — que aparecem como representação do espírito de “justiça própria”.

          De fato nós temos três grandes grupos humanos e psicológicos naquela parábola. Temos no extremo, no pólo da justiça própria, os trabalhadores “contratados” na primeira hora, que receberam a promessa de que “pelo esforço” do trabalho feito ganhariam 1 denário cada um. É uma clara representação da atitude espiritual que deseja receber pelo que produz. Na realidade essa é a esperança da Lei: receber conforme o contrato da Lei. Ora, os que assim vivem são movidos por justiça própria. Naqueles dias, conforme a narrativa dos evangelhos, eram religiosos saduceus e fariseus, na sua maioria. Esses da primeira hora são sempre um grupo minoritário, porém radical e fundamentalista.

          O segundo grupo humano aparece na figura dos trabalhadores que foram chamados entre 9 horas da manhã e 15 horas, na hora nona dos judeus. Ora, conquanto eles façam parte de três grupos distintos de acordo com a hora do “chamado” — 9 da manhã, meio-dia, e 3 da tarde —, de fato eles são um grupo só; e digo isto porque o espírito da parábola os trata do mesmo modo, ou seja, eles são figura desses encontros humanos com a Graça de Deus que assumem o chamado de Deus como algo bom e como boa oportunidade. A mim parece razoável que esse grupo seja feito de muito mais gente, ou de maior diversidade humana — três turmas fazendo um único grupo —, pelo simples fato que é condizente com a realidade histórica. Isso porque a maioria da humanidade existe nesse espírito em relação a Deus. Dizem: “Deus é bom. Deus é importante. Deus é justo. Deus é confiável. Deus é fundamental. Deus propõe coisas boas. Deus ajuda a gente. Quem está com Deus está bem!” — esse é o espírito da maioria. Sim, a maior parte das pessoas experimenta o chamado da Graça sem muita hesitação e também sem muito excitamento, e tanto não vivem para usufruir o benefício como também não provocam ninguém por dizerem que creem, visto que “não cheiram nem fedem”. Experimentam a Graça na mediocridade. Sim, esses são, nos evangelhos, “a multidão do povo”.

          E há o terceiro grupo, aparentemente também minoritário, e que é constituído pelos que foram chamados na hora undécima, às 5 da tarde. Os desse grupo são representados nos evangelhos pelos publicanos, pecadores, e todos os aflitos e vadios de esperança, mas, sobretudo, pelos gentios que surpreendem a Jesus com sua fé. Estes são os que se assumem como “cachorrinhos debaixo da mesa de seus donos”, e não “se acham dignos” de que Jesus entre em suas casas. Estes são encontrados na praça, ou mesmo tirados de sobre sicômoros, e apenas ouvem um convite irrecusável, do tipo: “Desce depressa!”. Outras vezes arrombam o descanso de Deus, como fez a mulher siro-fenícia. Esses não discutem o “chamado”, não “teologizam” sobre Deus e correm todos os riscos sem medo. Entre esses ninguém sabe por que foi chamado. Nem discutem o tema, pois olham para si mesmos e não veem nada que justifique o chamado, o qual, para eles, não foi recebido como proposta de trabalho, nem como algo em virtude da virtude, mas como salvação da falta de significado para a existência, ou como dor, ou apenas a mais fascinante surpresa. Sim, esses não acertaram nada previamente, não perguntaram por condições de trabalho e nem foram esperando nada além da chance de sair de uma existência sem significado ou presa às correntes da angústia. Estes apenas aceitaram o convite como surpresa, pois eles não julgavam que tinham nada a perder. Estes estavam vadios de trabalho, mas eram operários da esperança e da fé. Para eles, viver não era um risco. O risco era não viver.

          O fato é que o “dono da vinha” manda pagar a cada grupo, a começar pelos últimos. E esses que trabalharam apenas 1 hora — entre 5 e 6 da tarde — ganharam 1 denário cada um. E assim foi com todos. Até que chegaram os da “primeira hora”, os do “contrato”, os da lei, os da atitude do “irmão mais velho do filho pródigo”. E eles alegam acerca da injustiça feita contra eles, que trabalharam de sol a sol, e que vieram a receber a mesma coisa que aqueles que haviam trabalhado apenas 1 hora.

          A resposta do “dono da vinha” é simples. Ele diz: “Vocês receberam conforme o contratado. Vocês não foram injustiçados. Peguem o que ganharam e podem ir. Ou não me é licito fazer o que eu quero com o que é meu? E se eu quiser dispor do que é meu, e dar a esses que não trabalharam como vocês o mesmo que dei a vocês, em que lhes fiz injustiça? Ou são maus os olhos de vocês em razão de minha Graça?”

          A Graça não cria a maldade interior, mas, diante dela, toda maldade é suscitada. E a razão é que a maldade fica ainda mais perversa quando ela se traveste de justiça própria.

          A leitura do Evangelho nos deixa ver que onde Jesus — a Graça e Verdade em pleno beijo — passava, tanto se manifestava a bondade e a fé dos pequeninos e simples de coração para crer como também se manifestava a maldade da virtude dos seres movidos a justiça própria, posto que a Graça é tão injusta aos olhos da justiça própria, que é impossível a alguém tomado pela ideia da auto-virtude conceber que algo tão “injusto e escandaloso” como a Graça de Deus possa ser justiça.

          É estranho, mas é a justiça própria aquilo que mais gera maldade no coração humano!

          Os que andam em justiça própria — que é andar na carne — não podem agradar a Deus, posto que aquilo que Deus chama de bondade e misericórdia eles chamam de injustiça e auxílio à perversão.

          A justiça própria se escandaliza da maior parte das obras da Graça de Deus!

          É no chão da justiça própria que a inveja também nasce com força descomunal e com tendência psicológica homicida. Não necessariamente gera assassinos, mas infalivelmente produz milhões de juízes togados que são sem misericórdia nas sentenças que proferem.

          Digo isto porque toda inveja carrega uma carga homicida, posto que o invejoso quer o lugar do outro, o que é do outro, ou até ser o outro — ora, tudo isso implica em que o outro deixe de ser ou que então mergulhe no vazio: “Raca!”

          Quem diz que crê na Graça mas anda conforme a sua justiça própria ou conforme a fé nos seus próprios processos de “santidade” pessoal e meritória, não pode estar na Graça, posto que na Graça a única justiça que decorre como válida diante de Deus é a que procede da fé, e não do homem e suas virtudes pessoais.

          Ora, todo aquele que ao ver Deus ser gracioso e exagerado em Seu amor para com outro ser humano, ao invés de se alegrar, se ira e discorda de Deus, e odeia o que recebeu a dádiva e a ele se compara, e julga Deus injusto por havê-los igualado — este jamais conheceu a Graça de Deus, posto que a primeira coisa que um ser humano que encontrou Graça, de fato, descobre, é a sua total condição de desgraçado em-si-mesmo. “Desventurado homem que sou!” — grita ele. Portanto, ele jamais verá injustiça na Graça de Deus, pois ele mesmo se considera o maior beneficiado por tamanha santa injustiça que justifica injustos pela justiça de um Único justo, de tal modo que o injusto se torna justo — não porque tenha feito qualquer coisa que assim o tornasse justo, mas apenas porque creu que a justiça do Único justo pode ser a justiça de nós todos. E ele se alegra que assim seja; do contrário, ele sabe que estaria perdido. Ele sabe que isso é loucura para a consciência humana cheia de autojustificação, e sabe que é total escândalo para aqueles que creem que são justos em-si-mesmos. Ele mesmo, porém, a ninguém julga, exceto a si mesmo, pois se julgar a alguém, na mesma hora a si mesmo se condena.

          Assim, somente a Graça limpa o olhar. Mas é também por ela que se fica conhecendo a mais dissimulada forma de maldade e perversidade, que é aquela que se faz passar por virtude e justiça própria e que é incapaz de celebrar a Graça de Deus, pois, para tais pessoas, tudo o mais que não decorre do mérito próprio é injustiça. E como Deus é o Deus de toda Graça, e como Graça é, essencialmente, favor imerecido, então, para tais pessoas — mesmo quando falam acerca da palavra “Graça” —, a Graça de Deus é injustiça contra elas, posto que só beneficia a quem não merece, isso porque elas mesmas, lá no fundo, ficaram tão empedradas e insensíveis que creem que Deus lhes deve alguma coisa, especialmente no caso de Ele querer exagerar em Sua bondade para com algum vagabundo da Terra.

          Mas Deus lhes pergunta: “Ou são maus os vossos olhos porque Eu sou Bom?”

          Cuidado para que você não odeie Deus, o “dono da vinha”, pela Sua soberania de ser bom para quem desejar e como bem entender, dando a qualquer um o que é Dele, e não devendo explicações a ninguém por assim fazer com o que é Dele.

          Isso tornaria você um perverso aos olhos de Deus. Salve-se desse terrível mal. Ame a bondade de Deus.


Texto de Caio Fábio D'Araújo Filho

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Um Sábio Veredicto


          Em Gibeom o SENHOR apareceu a Salomão num sonho, à noite, e lhe disse: “Peça-me o que quiser, e eu lhe darei”.
          Salomão respondeu: “Tu foste muito bondoso para com o teu servo, o meu pai Davi, pois ele foi fiel a ti, e foi justo e reto de coração. Tu mantiveste grande bondade para com ele e lhe deste um filho que hoje se assenta no seu trono. Agora, SENHOR, meu Deus, fizeste o teu servo reinar em lugar de meu pai Davi. Mas eu não passo de um jovem e não sei o que fazer. Teu servo está aqui entre o povo que escolheste, um povo tão grande que nem se pode contar. Dá, pois, ao teu servo um coração cheio de discernimento para governar o teu povo e capaz de distinguir entre o bem e o mal. Pois, quem pode governar este teu grande povo?”
          O pedido que Salomão fez agradou ao SENHOR. Por isso Deus lhe disse: “Já que você pediu isso e não uma vida longa nem riqueza, nem pediu a morte dos seus inimigos, mas discernimento para ministrar a justiça, farei o que você pediu. Eu lhe darei um coração sábio e capaz de discernir, de modo que nunca houve nem haverá ninguém como você. Também lhe darei o que você não pediu: riquezas e fama, de forma que não haverá rei igual a você durante toda a sua vida. E, se você andar nos meus caminhos e obedecer aos meus decretos e aos meus mandamentos, como o seu pai Davi, eu prolongarei a sua vida”.
          Então Salomão acordou e percebeu que tinha sido um sonho.
          Certo dia duas prostitutas compareceram diante do rei.
          Uma delas disse: “Ah, meu senhor! Esta mulher mora comigo na mesma casa. Eu dei à luz um filho e ela estava comigo na casa. Três dias depois de nascer o meu filho, esta mulher também deu à luz um filho. Estávamos sozinhas; não havia mais ninguém na casa. Certa noite esta mulher se deitou sobre o seu filho, e ele morreu. Então ela se levantou no meio da noite e pegou o meu filho, enquanto eu, tua serva, dormia, e o pôs ao seu lado. E pôs o filho dela, morto, ao meu lado. Ao levantar-me de madrugada para amamentar o meu filho, ele estava morto. Mas quando olhei bem para ele de manhã, vi que não era o filho que eu dera à luz”.
          A outra mulher disse: “Não! O que está vivo é meu filho; o morto é seu”.
          Mas a primeira insistia: “Não! O morto é seu; o vivo é meu”.
          Assim elas discutiram diante do rei.
          O rei disse: “Esta afirma: ‘Meu filho está vivo, e o seu está morto’, enquanto aquela diz: ‘Não! Seu filho está morto, e o meu está vivo’”.
          Então o rei ordenou: “Tragam-me uma espada”. Trouxeram-lhe. Ele ordenou: “Cortem a criança viva ao meio e deem metade a uma e metade à outra”.
          A mãe do filho que estava vivo, movida pela compaixão materna, clamou: “Por favor, meu senhor, dê a criança viva a ela! Não a mate!”
          A outra, porém, disse: “Não será nem minha, nem sua. Cortem-na ao meio!”
          Então o rei deu o seu veredicto: “Não matem a criança! Deem-na à primeira mulher. Ela é a mãe”.
          Quando todo o Israel ouviu o veredicto do rei, passou a respeitá-lo profundamente, pois viu que a sabedoria de Deus estava nele para fazer justiça.

          (Texto de I Reis 3:5-28)

          Por hora é isso, pessoal. Que a liberdade e o amor de Cristo nos acompanhem.
          Saudações,
          Kurt Hilbert

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O Paradigma: Tornando-nos Mais Semelhantes a Cristo‏



          Lembro-me muito claramente de que há vários anos, sendo um cristão ainda jovem, a questão que me causava perplexidade (e a alguns amigos meus também) era esta: Qual é o propósito de Deus para o seu povo? Uma vez que tenhamos nos convertido, uma vez que tenhamos sido salvos e recebido vida nova em Jesus Cristo, o que vem depois? É claro que conhecíamos a famosa declaração do Breve Catecismo de Westminster: “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”. Sabíamos disso e críamos nisso. Também refletíamos sobre algumas declarações mais breves, como uma de apenas sete palavras: “Ama a Deus e ao teu próximo”. Mas de algum modo, nenhuma delas, nem outra que pudéssemos citar, parecia plenamente satisfatória. Portanto, quero compartilhar com vocês o entendimento que pacificou minha mente à medida que me aproximo do final de minha peregrinação neste mundo. Esse entendimento é: Deus quer que seu povo se torne semelhante a Cristo. A vontade de Deus para o seu povo é que sejamos conformes à imagem de Cristo.

          Sendo isso verdade, quero propor o seguinte: em primeiro lugar, demonstrarmos a base bíblica do chamado para sermos conformes à imagem de Cristo; em segundo, extrairmos do Novo Testamento alguns exemplos; em terceiro, tirarmos algumas conclusões práticas a respeito. Tudo isso relacionado a nos assemelharmos a Cristo.

          Então, vejamos primeiro a base bíblica do chamado para sermos semelhantes a Cristo. Essa base não se limita a uma passagem só. Seu conteúdo é substancial demais para ser encapsulado em um único texto. De fato, essa base consiste de três textos, os quais, aliás, faríamos muito bem em incorporar conjuntamente à nossa vida e visão cristã: Romanos 8:29, 2 Coríntios 3:18 e 1 João 3:2. Vamos fazer uma breve análise deles.

          Romanos 8:29 diz que Deus predestinou seu povo para ser conforme à imagem do Filho, ou seja, tornar-se semelhante a Jesus. Todos sabemos que Adão, ao cair, perdeu muito — mas não tudo — da imagem divina conforme a qual fora criado. Deus, todavia, a restaurou em Cristo. Conformar-se à imagem de Deus significa tornar-se semelhante a Jesus: O propósito eterno de predestinação divina para nós é tornar-nos conformes à imagem de Cristo.

          O segundo texto é 2 Coríntios 3:18: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”. Portanto é pelo próprio Espírito que habita em nós que somos transformados de glória em glória — que visão magnífica! Nesta segunda etapa do processo de conformação à imagem de Cristo, percebemos que a perspectiva muda do passado para o presente, da predestinação eterna de Deus para a transformação que ele opera em nós agora pelo Espírito Santo. O propósito eterno da predestinação divina de nos tornar como Cristo avança, tornando-se a obra histórica de Deus em nós para nos transformar, por intermédio do Espírito Santo, segundo a imagem de Jesus.

          Isso nos leva ao terceiro texto: 1 João 3:2: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”. Não sabemos em detalhes como seremos no último dia, mas o que de fato sabemos é que seremos semelhantes a Cristo. Não precisamos saber de mais nada além disso. Contentamo-nos em conhecer a verdade maravilhosa de que estaremos com Cristo e seremos semelhantes a ele, eternamente.

          Aqui há três perspectivas: passado, presente e futuro. Todas apontam na mesma direção: há o propósito eterno de Deus, pelo qual fomos predestinados; há o propósito histórico de Deus, pelo qual estamos sendo transformados pelo Espírito Santo; e há o propósito final ou escatológico de Deus, pelo qual seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é. Estes três propósitos — o eterno, o histórico e o escatológico — se unem e apontam para um mesmo objetivo: a conformação do homem à imagem de Cristo. Este, afirmo, é o propósito de Deus para o seu povo. E a base bíblica para nos tornarmos semelhantes a Cristo é o fato de que este é o propósito de Deus para o seu povo.

          Prosseguindo, quero ilustrar essa verdade com alguns exemplos do Novo Testamento. Em primeiro lugar, creio ser importante que nós façamos uma afirmação abrangente como a do apóstolo João em 1 João 2:6: “Aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou”. Em outras palavras, se nos dizemos cristãos, temos de ser semelhantes a Cristo. Este é o primeiro exemplo do Novo Testamento: temos de ser como o Cristo Encarnado.

          Alguns de vocês podem ficar horrorizados com essa ideia e rechaçá-la de imediato. “Ora”, me dirão, “não é óbvio que a Encarnação foi um evento absolutamente único, não sendo possível reproduzi-lo de modo algum?” Minha resposta é sim e não. Sim, foi único no sentido de que o Filho de Deus revestiu-se da nossa humanidade em Jesus de Nazaré, uma só vez e para sempre, o que jamais se repetirá. Isso é verdade. Contudo, há outro sentido no qual a Encarnação não foi um evento único: a maravilhosa graça de Deus manifestada na Encarnação de Cristo deve ser imitada por todos nós. Nesse sentido, a Encarnação não foi única, exclusiva, mas universal. Somos todos chamados a seguir o supremo exemplo de humildade que ele nos deu ao descer dos céus para a terra. Por isso Paulo diz em Filipenses 2:5-8: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”. Precisamos ser semelhantes a Cristo em sua Encarnação no que diz respeito à sua admirável humildade, uma humilhação auto-imposta que está por trás da Encarnação.

          Em segundo lugar, precisamos ser semelhantes a Cristo em sua prontidão em servir. Agora, passemos de sua Encarnação à sua vida de serviço; de seu nascimento à sua vida; do início ao fim. Quero convidá-los a subir comigo ao cenáculo onde Jesus passou sua última noite com os discípulos, conforme vemos no evangelho de João, capítulo 13: “Tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou água na bacia e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido”. Ao terminar, retomou seu lugar e disse-lhes: “Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo” — note-se a palavra — “para que, como eu vos fiz, façais vós também”.

          Há cristãos que interpretam literalmente esse mandamento de Jesus e fazem a cerimônia do lava-pés em dia de Ceia do Senhor ou na Quinta-feira Santa — e podem até estar certos em fazê-lo. Porém, vejo que a maioria de nós fez apenas uma transposição cultural do mandamento de Jesus: aquilo que Jesus fez, que em sua cultura era função de um escravo, nós reproduzimos em nossa cultura sem levarmos em conta que nada há de humilhante ou degradante em o fazermos uns pelos outros.

          Em terceiro lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em seu amor. Isso me lembra especificamente Efésios 5:2: “Andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave”. Observe que o texto se divide em duas partes. A primeira fala de andarmos em amor, um mandamento no sentido de que toda a nossa conduta seja caracterizada pelo amor, mas a segunda parte do versículo diz que ele se entregou a si mesmo por nós, descrevendo não uma ação contínua, mas um aoristo, um tempo verbal passado, fazendo uma clara alusão à cruz. Paulo está nos conclamando a sermos semelhantes a Cristo em sua morte, a amarmos com o mesmo amor que, no Calvário, altruistamente se doa.

          Observe a ideia que aqui se desenvolve: Paulo está nos instando a sermos semelhantes a Cristo na Encarnação, ao Cristo que lava os pés dos irmãos e ao Cristo crucificado. Esses três acontecimentos na vida de Cristo nos mostram claramente o que significa, na prática, sermos conformes à imagem de Cristo.

          Em quarto lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em sua abnegação paciente. No exemplo a seguir, consideraremos não o ensino de Paulo, mas o de Pedro. Cada capítulo da primeira carta de Pedro diz algo sobre sofrermos como Cristo, pois a carta tem como pano de fundo histórico o início da perseguição. Especialmente no capítulo 2 de 1 Pedro, os escravos cristãos são instados a, se castigados injustamente, suportarem e não retribuírem o mal com o mal. E Pedro prossegue dizendo que para isto mesmo fomos chamados, pois Cristo também sofreu, deixando-nos o exemplo — outra vez a mesma palavra — para seguirmos os seus passos. Este chamado para sermos semelhantes a Cristo em meio ao sofrimento injusto pode perfeitamente se tornar cada vez mais significativo à medida que as perseguições se avolumam em muitas culturas do mundo atual.

          No quinto e último exemplo que quero extrair do Novo Testamento, precisamos ser semelhantes a Cristo em sua missão. Tendo examinado os ensinos de Paulo e de Pedro, veremos agora os ensinos de Jesus registrados por João. Em João 17:18, Jesus, orando, diz: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”, referindo-se a nós. E na Comissão, em João 20:21, Jesus diz: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Estas palavras carregam um significado imensamente importante. Não se trata apenas da versão joanina da Grande Comissão; é também uma instrução no sentido de que a missão dos discípulos no mundo deveria ser semelhante à do próprio Cristo. Em que aspecto? Nestes textos, as palavras-chave são “envio ao mundo”. Do mesmo modo como Cristo entrou em nosso mundo, nós também devemos entrar no “mundo” das outras pessoas. É como explicou, com muita propriedade, o Arcebispo Michael Ramsey há alguns anos: “Somente à medida que sairmos e nos colocarmos, com compaixão amorosa, do lado de dentro das dúvidas do duvidoso, das indagações do indagador e da solidão do que se perdeu no caminho é que poderemos afirmar e recomendar a fé que professamos”.

          Quando falamos em “evangelização” é exatamente disto que falamos: entrar no mundo do outro. Toda missão genuína é uma missão encarnacional. Temos de ser semelhantes a Cristo em sua missão. Estas são as cinco principais formas de sermos conformes à imagem de Cristo: em sua Encarnação, em seu serviço, em seu amor, em sua abnegação paciente e em sua missão.

          Quero, de modo bem sucinto, falar de três conseqüências práticas da assemelhação a Cristo.

          Primeira: A assemelhação a Cristo e o sofrimento. Por si só, o tema do sofrimento é bem complexo, e os cristãos tentam compreendê-lo de variados pontos de vista. Um deles se sobressai: aquele segundo o qual o sofrimento faz parte do processo da transformação que Deus faz em nós para nos assemelharmos a Cristo. Seja qual for a natureza do nosso sofrimento — uma decepção, uma frustração ou qualquer outra tragédia dolorosa —, precisamos tentar enxergá-lo à luz de Romanos 8:28-29. Romanos 8:28 diz que Deus está continuamente operando para o bem do seu povo, e Romanos 8:29 revela que o seu bom propósito é nos tornar semelhantes a Cristo.

          Segunda: A assemelhação a Cristo e o desafio da evangelização. Provavelmente você já se perguntou: “Por que será que, até onde percebo, em muitas situações os nossos esforços evangelísticos frequentemente terminam em fracasso?” As razões podem ser várias e não quero ser simplista, mas uma das razões principais é que nós não somos parecidos com o Cristo que anunciamos. John Poulton, que abordou o tema num livreto muito pertinente, intitulado A Today Sort of Evangelism, escreveu:

          “A pregação mais eficaz provém daqueles que vivem conforme aquilo que dizem. Eles próprios são a mensagem. Os cristãos têm de ser semelhantes àquilo que falam. A comunicação acontece fundamentalmente a partir da pessoa, não de palavras ou idéias. É no mais íntimo das pessoas que a autenticidade se faz entender; o que agora se transmite com eficácia é, basicamente, a autenticidade pessoal”.

          Isto é assemelhar-se à imagem de Cristo. Permitam-me dar outro exemplo. Havia um professor universitário hindu na Índia que, certa vez, identificando que um de seus alunos era cristão, disse-lhe: “Se vocês, cristãos, vivessem como Jesus Cristo viveu, a Índia estaria aos seus pés amanhã mesmo”. Eu penso que a Índia já estaria aos seus pés hoje mesmo se os cristãos vivessem como Jesus viveu. Oriundo do mundo islâmico, Iskandar Jadeed, árabe e ex-muçulmano, disse: “Se todos os cristãos fossem cristãos — isto é, semelhantes a Cristo —, hoje o islã não existiria mais”.

          Isto me leva ao terceiro ponto: Assemelhação a Cristo e presença do Espírito Santo em nós. Falei muito sobre assemelhação a Cristo, mas será que ela é alcançável? Por nossas próprias forças é evidente que não, mas Deus nos deu seu Santo Espírito para habitar em nós e nos transformar de dentro para fora. William Temple costumava ilustrar este ponto falando sobre Shakespeare:

          “Não adianta me darem uma peça como Hamlet ou O Rei Lear e me mandarem escrever algo semelhante. Shakespeare era capaz, eu não. Também não adianta me mostrarem uma vida como a de Jesus e me mandarem viver de igual modo. Jesus era capaz, eu não. Porém, se o gênio de Shakespeare pudesse entrar e viver em mim, então eu seria capaz de escrever peças como as dele. E se o Espírito Santo puder entrar e habitar em mim, então eu serei capaz de viver uma vida como a de Jesus”.

          Para concluir, um breve resumo do que tentamos pensar juntos aqui hoje: O propósito de Deus é nos tornar semelhantes a Cristo. O modo como Deus nos torna conformes à imagem de Cristo é enchendo-nos do seu Espírito. Em outras palavras, a conclusão é de natureza trinitária, pois envolve o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

          Texto de John Stott

          Colaboração de Carlos Caleri.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015


Hebreus 11:1
          Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos.


A certeza do que espero
A prova do que não vejo
A fé!

A convicção da expectativa
O testemunho do invisível
A fé!

A segurança do aguardado
O indício do imperceptível
A fé!

A certeza da Palavra
A prova de Deus
A fé!

Vivo com fé!
Vivo pela fé!
Vivo a fé!

          “Andar com fé eu vou
           Que a fé não costuma falhar...”
           (Valeu, Gil!)

Viva a fé viva!


Kurt Hilbert