A chave deste livro é a peregrinação.
O livro de Números deriva seu nome em nossas Bíblias em português, como
nas versões latina e grega, dos dois censos nele narrados. Em realidade, o livro
forma uma divisão de um conjunto maior, o Pentateuco. Entre os escribas judeus
ele era conhecido principalmente pelo nome de “no deserto”, que em hebraico é
uma só palavra, “bemidbar”, título
tomado do primeiro versículo. É um título apropriado, de vez que o tema do
livro gira em torno das vicissitudes e vitórias do povo de Israel desde o dia
em que deixou a zona sul do Sinai até chegar às fronteiras da Terra Prometida.
O livro de Números parece, às vezes, constituir uma coleção não muito
estruturada de informações, narrativas e rituais ou lei civil. Contudo, estas
informações são sempre pertinentes à história, ao passo que os pronunciamentos
legais surgem, com frequência, das exigências da situação na vida, tal como a
autorização para celebrar uma páscoa especial (9:1-14) em circunstâncias que
impediam a observância da páscoa regular; ou o pedido das filhas de Zelofeade
(27:1-11), cujo resultado foi que Deus estabeleceu medidas para a herança das
filhas quando não houver filho sobrevivente.
No aspecto histórico, o livro de Números começa onde termina o Êxodo,
dando lugar necessariamente às seções de narrativas dispersas de Levítico.
Abrange um período de aproximadamente 40 anos na história da caminhada de
Israel sobre a Palestina. Conquanto estes anos descrevam, em geral, a
peregrinação, é evidente que o povo residiu ao sul de Canaã, principalmente na
zona conhecida como o Neguebe, não muito distante de Cades-Barnéia, durante 37
anos. No decorrer desse período, o tabernáculo foi o ponto central tanto da vida
civil como da religiosa, visto como era onde Moisés exercia suas funções
administrativas. Presume-se que o povo seguia os costumes dos povos nômades,
vivendo em tendas e apascentando os rebanhos nas estepes semi-áridas. Nestas
circunstâncias, o povo necessitava da provisão especial divina de alimentos e
água.
No livro de Números, Deus é apresentado como um soberano que exige
absoluta obediência à Sua santa vontade, mas que também demonstra misericórdia
ao penitente e obediente. Assim como o pai educa e castiga os filhos, Deus
dirige a Israel, seu povo amado. Escolhe entender-Se com o homem servindo-Se de
mediadores. Destes, Moisés é único, embora outros talvez estejam dotados de
dons proféticos e até mesmo um pagão, Balaão, pode ser usado, visto como Deus é
o Deus dos espíritos e de toda a carne.
No Novo Testamento se encontram diversas referências ao livro de
Números, em que o livramento do Egito é considerado como modelo terreno da
redenção eterna. Afirma-se que as experiências no deserto estão registradas
para nossa admoestação (I Coríntios 10:11). Nosso Senhor Jesus Cristo
referiu-se ao incidente da serpente de bronze como ilustração da forma em que Ele
próprio será levantado a fim de que os que creem n’Ele não pereçam, mas tenham
a vida eterna.
Tanto judeus como cristãos tradicionalmente têm considerado Moisés o
autor do livro de Números. Considerando que o período mosaico é, quando menos,
de 1300 anos antes de Cristo, o livro, em sua forma atual, passou por muitas
mãos, e mesmo no hebraico tem sido transcrito de um tipo de escritura para
outro. Sem dúvida, existem aqui e acolá adições editoriais. Expoentes extremos
da crítica literária têm procurado negar que Moisés pudesse ter escrito
qualquer parte do livro, e têm procurado dividi-lo em documentos que datam de
períodos diferentes da história de Israel. Todavia, os descobrimentos
arqueológicos têm demonstrado a antiguidade das leis, das instituições e das
condições de vida descritas no livro de Números. A opinião de que o livro de
Números procede da pena de Moisés e do período no qual ele viveu é apoiada,
também, pela profunda veneração que os judeus tinham por Moisés e pelos
escritos sagrados a ele atribuídos.
David W. Kerr