Mateus
16:18
“Eu
lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as
portas do Hades não poderão vencê-la”.
Já faz muito tempo que
esta discussão vem no seio da cristandade, trazendo interpretações e
posicionamentos, ora a favor de Pedro ser a “pedra” mencionada na fala de
Jesus, ora a favor de Jesus mesmo ser esta “pedra” – e não Pedro. Católicos, de
forma geral, defendem a primeira opção – até para justificar o papado – e
protestantes defendem a segunda.
Creio que devemos
ampliar a percepção, buscando os antecedentes daquela passagem. Esta declaração
de Jesus se dá em função de uma fala de Pedro, respondendo a uma pergunta de
Jesus. Vamos, agora, posicionar Jesus e os discípulos – inclusive Pedro – no
cenário em que se dá esta passagem.
Jesus os levava a
Cesareia de Filipe, uma região remota, impregnada ainda de paganismo, cheia de
sincretismos e misticismos comuns àqueles tempos. Não era a “sagrada”
Jerusalém, mas a “pagã” Cesareia de Filipe, construída em homenagem a César,
imperador romano.
Jesus quisera saber de
Seus discípulos qual a interpretação que tinham d’Ele, qual a percepção e a
impressão que Jesus causava neles, Seus discípulos. Jesus queria saber deles
Quem Ele era para eles. Para isso, Ele começou perguntando-lhes sobre o que
pensavam e diziam os outros a respeito d’Ele. Eis como começa o diálogo: Chegando à região de Cesareia de Filipe,
perguntou aos seus discípulos: “Quem os
outros dizem que o Filho do homem é?” Eles responderam: “Alguns dizem que é
João Batista; outros, Elias; e, ainda outros, Jeremias ou um dos profetas”. (Mateus
16:13-14).
As respostas do povo,
“dos outros”, eram diversas. Cada um tinha uma interpretação, uma forma de ver
Jesus, uma forma de entender Quem Ele era. Parecido com hoje em dia: as
pessoas, se as perguntarmos sobre Quem é Jesus para elas, virão com as mais
variadas respostas. Experimente perguntar...
Aí Jesus faz a
pergunta que queria mesmo fazer: “E
vocês?”, perguntou ele. “Quem vocês
dizem que eu sou?” (Mateus 16:15).
Diante dessa pergunta,
Simão foi o primeiro a responder, e deu a “resposta certa”: Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo” (Mateus 16:16). Poderia ter sido qualquer outro a
responder, mas foi Simão. Pode ser – e aí é uma interpretação muito pessoal –
que algum outro dos discípulos tivesse a mesma resposta, mas Simão foi mais
rápido. Ou então todos concordaram em seu íntimo com essa resposta, mas não
falaram. Fato é que Simão falou.
Jesus, ouvindo isso,
declarou que esta resposta não era de cunho humano, nem filosófico, nem
religioso em si, mas que viera como revelação de Deus: Respondeu Jesus: “Feliz é você, Simão, filho de Jonas! Porque isto não
lhe foi revelado por carne ou sangue, mas por
meu Pai que está nos céus” (Mateus 16:17). A revelação sobre Quem Jesus
era viera diretamente de Deus! E quem a captara rapidamente fora Simão!
E aí Jesus declara: “Eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta
pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la”
(Mateus 16:18). Jesus acrescenta ao nome de Simão a denominação Pedro (do grego
petros, significando pedra). Simão
Pedro externara a revelação recebida do Pai, sobre Quem Jesus era para ele e
para seus colegas discípulos: “Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo”. Esta revelação/percepção
petrificou/pavimentou o caminho do Evangelho! Sobre esta revelação a Igreja seria erigida!
Para dirimir dúvidas
ainda porventura existentes sobre “quem é a pedra”, podemos percorrer mais
algumas citações das Escrituras, que nos ajudarão no entendimento.
O próprio Pedro jamais
se referiu a si mesmo como sendo esta pedra, mas de forma clara e consistente,
ele diz que esta pedra representa Cristo (“Tu
és o Cristo, o Filho do Deus vivo”). No discurso que ele faz no Templo, muito
tempo depois, ele chega a dizer que não há nenhum outro nome debaixo do céu,
dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos, a não ser através desta “pedra”,
rejeitada pelos homens: Então Pedro,
cheio do Espírito Santo, disse-lhes: “Autoridades e líderes do povo! Visto que
hoje somos chamados para prestar contas de um ato de bondade em favor de um
aleijado, sendo interrogados acerca de como ele foi curado, saibam os senhores
e todo o povo de Israel que por meio do
nome de Jesus Cristo, o Nazareno, a quem os senhores crucificaram, mas a
quem Deus ressuscitou dos mortos, este homem está aí curado diante dos
senhores. Este Jesus é ‘a pedra que vocês, construtores,
rejeitaram, e que se tornou a pedra angular’. Não há salvação em nenhum outro,
pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos
ser salvos” (Atos 4:8-12).
Ainda, Pedro escreve a
respeito, numa de suas cartas: À medida
que se aproximam dele, a pedra viva – rejeitada pelos homens,
mas escolhida por Deus e preciosa para ele – vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação
de uma casa espiritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios
espirituais aceitáveis a Deus, por meio
de Jesus Cristo. Pois assim é dito na Escritura: “Eis que ponho em Sião uma
pedra angular, escolhida e preciosa, e aquele
que nela confia jamais será envergonhado”. Portanto, para vocês, os que
creem, esta pedra é preciosa; mas para os que não creem, “a pedra que os
construtores rejeitaram, tornou-se a pedra angular”, e, “pedra de tropeço e
rocha que faz cair”. Os que não creem tropeçam, porque desobedecem a mensagem;
para o que também foram destinados (1º Pedro 2:4-8).
Jesus usou várias
vezes este símbolo da “pedra” referindo-se a Si mesmo: “Vocês nunca leram isto nas Escrituras? ‘A pedra que os construtores
rejeitaram tornou-se a pedra angular;
isso vem do Senhor, e é algo
maravilhoso para nós’” (Mateus 21:42). “Então,
qual é o significado do que está escrito? ‘A pedra que os construtores
rejeitaram tornou-se a pedra angular’.
Todo o que cair sobre esta pedra será despedaçado, e aquele sobre quem ela cair
será reduzido a pó” (Lucas 20:17-18).
No Antigo Testamento
encontramos diversas passagens que relacionam a “pedra/rocha” como um termo
específico para Deus, como estas, dentre outras: “Proclamarei o nome do SENHOR. Louvem a grandeza do nosso Deus! Ele é a Rocha, e suas obras são
perfeitas, e todos os seus caminhos são justos. É Deus fiel, que não comete
erros; justo e reto ele é” (Deuteronômio 32:3-4). O SENHOR
é a minha rocha,
a minha fortaleza e o meu libertador; o meu Deus é o meu rochedo, em quem me
refugio. Ele é o meu escudo e o poder que me salva, a minha torre alta
(Salmo 18:2).
Isaías, o mais
“evangélico” dos profetas – pois profetizou muito a respeito do Cristo –
menciona a grande “rocha” em terra sedenta, e a “pedra” preciosa, angular,
solidamente assentada: Cada homem será
como um esconderijo contra o vento e um abrigo contra a tempestade, como
correntes de água numa terra seca e como a sombra de uma grande rocha no
deserto (Isaías 32:2). Por isso diz o
Soberano, o SENHOR: “Eis que ponho em Sião uma pedra, uma
pedra já experimentada, uma preciosa pedra angular para alicerce seguro; aquele que confia, jamais será abalado” (Isaías 28:16). Na
primeira passagem, o profeta “estende” o “alcance” da “rocha”, dizendo mesmo
que “cada homem” – e não um único – será “como a sombra de uma grande rocha no
deserto”.
O apóstolo Paulo
também referenda Cristo como a “pedra/rocha”: Todos comeram do mesmo alimento espiritual e beberam da mesma bebida
espiritual; pois bebiam da rocha espiritual que os acompanhava, e essa rocha era Cristo (1º Coríntios
10:3-4). Paulo “bebia” das Escrituras antigas para basear a sua afirmação, como
o profeta Samuel e o salmista: Pois quem
é Deus além do SENHOR? E quem é Rocha senão o nosso Deus?
(2º Samuel 22:32). O Salmo 18:31 repete esta palavra de Samuel, ipsis litteris.
Jesus também Se
referiu à “pedra/rocha” como sendo a Sua Palavra, a qual é o único alicerce
seguro para o homem: “Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as pratica
é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os
ventos e deram contra aquela casa, e ela não caiu, porque tinha seus alicerces
na rocha” (Mateus 7:24-25).
E, em Jesus Se
referindo à “pedra/rocha” como sendo a Sua Palavra, a Escritura ainda afirma
ser Ele “a Palavra”: No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com
Deus, e era Deus (João 1:1).
Jesus amalgama a Si
mesmo e Suas Palavras, como se fossem uma só essência: “Se alguém se envergonhar de mim
e das minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora, o Filho do homem
se envergonhará dele quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos”
(Marcos 8:38).
Falando de Si como enviado
de Deus, diz que é Ele Quem fala as Palavras de Deus, e Quem tem o poder de
“dar” o Espírito Santo: “Pois aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus, porque ele dá o
Espírito sem limitações” (João
3:34).
Jesus enfatiza ainda
que Sua Palavra é “viva”: “O Espírito dá vida; a carne não produz
nada que se aproveite. As palavras que
eu lhes disse são espírito e vida” (João 6:63).
Pedro também
reconhecia a eternidade em Jesus e Suas Palavras: Simão Pedro lhe respondeu: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as
palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus” (João
6:68-69).
E Jesus, em oração,
enfatiza outra vez a relação amálgama entre Ele e a Palavra de Deus: “Pois eu lhes transmiti as palavras que me deste, e eles as aceitaram. Eles
reconheceram de fato que vim de ti e
creram que me enviaste” (João 17:8).
O apóstolo Paulo,
escrevendo à Igreja em Corinto, afirma que Cristo é o único
“fundamento/alicerce/pedra” da Igreja: Ninguém
pode colocar outro alicerce além do
que já está posto, que é Jesus Cristo
(1º Coríntios 3:11). E à igreja em Éfeso, também diz que Cristo é o
“fundamento/pedra” sobre o qual construímos o templo espiritual como pedras
vivas: Portanto, vocês já não são
estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e dos profetas, tendo Jesus
Cristo como pedra angular, no qual todo o edifício é ajustado e cresce para
tornar-se um santuário santo no Senhor. Nele vocês também estão sendo
edificados juntos, para se tornarem morada
de Deus por seu Espírito (Efésios 2:19-22).
Buscando fazer um
apanhado final agora, e voltando ao início do texto, pode-se dizer que, quando
Pedro fez sua declaração de fé sobre “Quem Jesus era”, ele o fez em nome de
todos os demais discípulos, pois a pergunta havia sido feita ao grupo: “E vocês?”, perguntou ele. “Quem vocês dizem que eu sou?” (Mateus
16:15).
Nenhum dos discípulos
jamais entendeu que Jesus estava concedendo a Pedro uma distinção especial.
Tanto é assim que, depois de passado este fato, eles continuavam falando entre
si sobre quem seria o maior: Os
discípulos chegaram a Jesus e perguntaram: “Quem é o maior no Reino dos céus?”
(Mateus 18:1). Lucas, em seu Evangelho, diz mesmo que havia uma discussão entre
os discípulos a respeito deste tema: Começou uma discussão entre os discípulos acerca de qual deles seria o maior. Jesus, conhecendo os seus pensamentos, tomou uma criança e a colocou em
pé, a seu lado. Então lhes disse: “Quem recebe
esta criança em meu nome, está me
recebendo; e quem me recebe, está
recebendo aquele que me enviou. Pois aquele que entre vocês for o menor,
este será o maior” (Lucas 9:46-48). Caso Jesus tivesse dado a Pedro uma
posição de supremacia ou mesmo liderança, não haveria mais motivo para tanta
discussão – Ele poderia encerrar a discussão assim: “Pedro é o chefe!”
Os autores do Novo
Testamento jamais fizeram menção de qualquer autoridade revestida sobre Pedro,
muito menos colocando ele como “rocha/pedra/base” para construir a Igreja.
Pedro jamais foi
“papal” ou “infalível” como apóstolo, tanto que chegou a ser confrontado e
corrigido veementemente por seu colega Paulo. No relato a seguir Paulo conta
aos seus irmãos da Igreja na Galácia sobre o encontro com os apóstolos e seu
conflito com Pedro, que se dera a respeito de “usos e costumes judaicos”: Quanto aos que pareciam influentes – o que eram então não faz diferença para mim;
Deus não julga pela aparência – tais homens influentes não me acrescentaram nada. Ao contrário, reconheceram que a mim havia sido confiada a pregação do
evangelho aos incircuncisos, assim
como a Pedro, aos circuncisos. Pois Deus, que operou por meio de Pedro como apóstolo aos circuncisos, também operou por meu intermédio para com os gentios.
Reconhecendo a graça que me fora concedida, Tiago, Pedro e João, tidos como colunas, estenderam a mão direita a mim e a Barnabé em
sinal de comunhão. Eles concordaram em que devíamos nos dirigir aos gentios, e
eles, aos circuncisos. Somente pediram que nos lembrássemos dos pobres, o que
me esforcei por fazer (Gálatas 2:6-10). Quando,
porém, Pedro veio à Antioquia, enfrentei-o
face a face, por sua atitude condenável (Gálatas 2:11). Quando vi que não estavam andando de acordo
com a verdade do evangelho, declarei a Pedro, diante de todos: “Você é judeu,
mas vive como gentio e não como judeu. Portanto, como pode obrigar gentios a
viverem como judeus?” (Gálatas 2:14). Podemos ver, pelo que lemos acima que,
junto a Pedro, havia Tiago e João com papel de liderança, assim como líderes
eram Paulo e o próprio Barnabé.
Ainda, voltando a
Pedro, devemos lembrar que ele havia negado a Jesus por três vezes na noite em
que o Senhor foi preso para posterior condenação, e que isto, sem dúvida,
magoou a Pedro profundamente, pois ele foi chorar amargamente depois disso: Pedro respondeu: “Homem, não sei do que você
está falando!” Falava ele ainda, quando o galo cantou. O Senhor voltou-se e olhou diretamente para Pedro.
Então Pedro se lembrou da palavra que o Senhor lhe tinha dito: “Antes que o
galo cante hoje, você me negará três vezes”. Saindo dali, chorou amargamente (Lucas 22:60-62).
Depois de
ressuscitado, Jesus tem uma conversa particular e muito passional com Pedro,
restaurando-o, demonstrando a ele que aquele episódio da negação estava
completamente superado e, para fortalecê-lo, deu-lhe uma especial incumbência: Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão
Pedro: “Simão, filho de João, você me ama mais do que estes?” Disse ele: “Sim,
Senhor, tu sabes que te amo”. Disse Jesus: “Cuide dos meus cordeiros”.
Novamente Jesus disse: “Simão, filho de João, você me ama?” Ele respondeu:
“Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Disse Jesus: “Pastoreie as minhas ovelhas”.
Pela terceira vez, ele lhe disse: “Simão, filho de João, você me ama?” Pedro
ficou magoado por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez “Você me ama” e
lhe disse: “Senhor, tu sabes todas as coisas e sabes que te amo”. Disse-lhe
Jesus: “Cuide das minhas ovelhas” (João 21:15-17). Jesus dava, assim, a
Pedro um papel muito importante: um papel pastoral de acompanhamento e
apascentamento.
É preciso notar,
porém, que em nenhum momento Pedro ganhou a incumbência de “apóstolo chefe”,
nem foi designado algum tipo de “apóstolo maior que os demais”, nem ganhou um
cargo exclusivo de “representante de Jesus na Terra”, nem coisa do tipo.
Pessoalmente, hoje, creio
ser um simplismo este tipo de discussão sobre “quem é a pedra”, pois está claro
que Jesus É o sustentáculo de tudo, e que todos nós somos irmãos n’Ele,
conforme Ele mesmo deixa muito claro, uma vez e para sempre: “Mas vocês não devem ser chamados ‘rabis’; um só é o Mestre de vocês, e todos vocês são irmãos. A ninguém na
terra chamem ‘pai’, porque vocês só têm
um Pai, aquele que está nos céus. Tampouco vocês devem ser chamados
‘chefes’, porquanto vocês têm um só
Chefe, o Cristo. O maior entre vocês deverá ser servo. Pois todo aquele que
a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar
será exaltado” (Mateus 23:8-12).
Por hora é isso,
pessoal. Que a liberdade e o amor de Cristo nos acompanhem.
Saudações,
Kurt Hilbert