Há dois modelos básicos de igreja. Há
os chamados para fora... e os chamados para dentro.
Igreja, de acordo com Jesus, é
comunhão de dois ou três... em Seu Nome... e em qualquer lugar... e mais: podem
ser quaisquer dois ou três... e não apenas um certo tipo de dois ou três...
conforme os manequins da religião.
Igreja, de acordo com Jesus, é algo
que acontece como encontro com Deus, com o próximo e com a vida... no “caminho”
do Caminho.
Prova disso é que o tema igreja
aparece no Evangelho quando Jesus e Seus discípulos estavam no “caminho” para
Cesareia de Filipe: um lugar “pagão” naqueles dias.
Assim, tem-se o tema igreja tratado
no “caminho” e em direção à “paganidade” do mundo.
Para Jesus o lugar onde melhor e mais
propriamente se deve buscar o discípulo é nas portas do inferno, no meio do
mundo! Não posso conceber, lendo o Evangelho, que Jesus sonhasse com aquilo que
depois nós chamamos de “igreja”.
Digo isto porque tanto não vejo Jesus
tentando criar uma comunidade fixa e fechada, como também não percebo em Seu
espírito qualquer interesse nesse tipo de reclusão comunitária.
No Evangelho, o que existe em supremacia
é a Palavra, que tanto estava encarnada em Jesus como era o centro de Sua ação.
No Evangelho nenhuma igreja teria espaço, posto que não acompanharia o ritmo do
Reino e de seu caminhar hebreu e dinâmico.
Jesus escolhe doze para ensinar...
não para que eles fiquem juntos. Ao contrário, a ordem final é para ir...
enfim... são treinados a espalhar sementes, a salgar, a levar amor, a caminhar
em bondade, e a sobreviver com dignidade no caminho, com todos os seus perigos
e possibilidade (Lucas cap. 10).
No caminho há de tudo. Jesus é
o Caminho em movimento nos caminhos da existência. E Seus discípulos são
acompanhantes sem hierarquia entre eles.
No mais... as multidões..., às quais
Jesus organiza apenas uma vez, e isto a fim de multiplicar pães. De resto... elas
vêm e vão... ficam ou não... voltam ou nunca mais aparecem... gostam ou se
escandalizam... maravilham-se ou acham duro o discurso...
Mas Jesus nada faz para mudar isto.
Ele apenas segue e ensina a Palavra, enquanto cura os que encontra.
Ao contrário..., vemos Jesus
dificultando as coisas muitas vezes, outras mandando o cara para casa, outras
dizendo que era preciso deixar tudo, outras convidando a quem não quer ir...;
ou mesmo perguntando: “Vocês querem ir embora?”
Não! Jesus não pretendia que Seus
discípulos fossem mais irmãos uns dos outros do que de todos os homens.
Não! Jesus não esperava que o
sal da terra se confinasse a quatro dignas e geladas paredes.
Não! Jesus não deseja tirar ninguém
do mundo, da vida, da sociedade, da terra...
mas apenas deseja que sejamos livres do mal.
Não! Jesus não disse “Eu sou o Clube,
a Doutrina e a Igreja; e ninguém vem ao Pai se não por mim”.
Assim, na igreja dos chamados para
fora, caminha-se e encontra-se com o irmão de fé e também com o próximo que não
tem fé... e a todos se trata com amor e simplicidade.
Em Jesus não há qualquer tentativa de
criar um ambiente protegido e de reclusão; e nem tampouco a intenção de criar
uma democracia espiritual, na qual a média dos pensamentos seja a lei
relacional.
Em Jesus o discípulo é apenas um
homem que ganhou o entendimento do Reino e vive como seu cidadão, não numa
“comunidade paralela”, mas no mundo real.
Na igreja de Jesus cada um diz se é
ou não é...; e ninguém tem o poder de dizer diferente... Afinal, por que a
parábola do Joio e do Trigo não teria valor na “igreja”? Na igreja de Jesus...
pode-se ir e vir... entrar e sair... e sempre encontrar pastagem.
O outro modo de ser igreja é,
todavia, aquele que prevaleceu na História. Nele as pessoas são chamadas para
dentro, para deixar o mundo, para só considerarem “irmãos” os membros do “clube
santo”, e a não buscarem relacionamentos fora de tal ambiente.
A comunidade de Jerusalém tentou
viver assim e adoeceu! Claro!
Quem fica sadio vivendo num mundo tão
uniforme e clonado?
Quem fica sadio não conhecendo a
variedade da condição humana?
Quem fica sadio se apenas
existe numa pequena câmara de repetições humanas viciadas?
Quem pode preservar um mínimo de
identidade vivendo em tais circunstâncias? Nesse sapatinho de japonesa?
É obvio que os discípulos
precisam se reunir..., e juntos devem ter prazer em aprender a Palavra e
crescer em fé e ajuda mútua. Todavia, tal ajuntamento é apenas uma estação do
caminho, não o seu projeto; é um oásis, não o objetivo da jornada; é um tempo,
não é o tempo todo; é uma ajuda, não é a vida.
De minha parte quero apenas ver os
discípulos de Jesus crescendo em entendimento e vida com Deus, em amizade e
respeito uns para com os outros, em saúde relacional na vida, e com liberdade
de escolha, conforme a consciência de cada um.
O “ajuntamento” que chamamos igreja
deve ser apenas esse encontro, essa estação, esse lugar de bom ânimo e
adoração.
O ideal é que tais encontros
gerem amizade clara e livre, e que pela amizade as pessoas se ajudem; mas não
apenas em razão de um certo espírito maçônico-comunitário, conforme se vê... ou
porque se deu alguma contribuição financeira no lugar.
A verdadeira igreja não tem
sócios... tem apenas gente boa de Deus... e que se reúne e ajuda a manter a
tudo aquilo que promove a Palavra na Terra.
Um
texto de Caio Fábio D’Araújo Filho