Jesus parece sempre ter feito questão
de deixar os cheios de suas próprias certezas presunçosas e arrogantes, incertos
e vazios em Sua presença.
Aliás, foi Maria quem, no contexto do
Evangelho, primeiro disse que Jesus seria assim: “Despedirá vazios os soberbos,
arrogantes e poderosos, e acolherá os pobres da terra” – disse ela.
Além disso, foi também dito acerca d’Ele
pelo velho Simeão, que Ele seria “objeto de contradição”.
Ele, todavia, jamais Se contradisse.
A contradição era o que vinha dos outros, pois, supostamente, quem deveria
amá-Lo, O odiou, e quem deveria rejeitá-Lo, O amou.
E foi de contradição em contradição
[não d’Ele a contra-dição] que Ele andou entre espinhos, abrolhos e lírios do
campo.
Ele via espinhos onde se dizia que
era o Jardim Religioso de Deus: o Templo e a religião, com seus funcionários
supostamente do interesse de Deus e da vida; e pensava: “Aqui é o deserto!”
Ele via lírios onde se dizia que
somente havia lixo; ou seja: entre coletores de impostos, meretrizes e gente
considerada pecadora por ser sem religião ou informação religiosa; e dizia:
“Aqui é o campo para o Jardim de Deus”.
Ele nunca Se contradisse, mas o que
dizia dividia o mundo!
Daí se dizer que Ele seria como uma espada.
Ele próprio disse que trazia a espada
e que Seu batismo seria de fogo.
No caminho, todavia, Ele foi
pontuando as incertezas que poderiam, em sendo acolhidas, salvar os certos das
certezas.
Assim Ele diz que o Reino de Deus
seria como um grande banquete no qual estariam presentes todos os que a religião
deixaria fora, enquanto, de fato, estariam de fora os que tinham o suposto
poder de dizer quem entraria ou sairia.
Ele, entretanto, não disse nada que
pudesse melhorar o desconforto dos donos das certezas. Ao contrário, disse:
“Muitos virão do Norte, do Sul, do Oriente e do Ocidente, e tomarão lugar na
mesa do Reino de Deus com Abraão, Isaque e Jacó, enquanto ‘os filhos do Reino’
ficarão de fora”.
Ora, os que Ele chamou de “os filhos
do Reino”, são os que assim se consideravam, na mesma medida em que
desconsideravam os outros!
Portanto, é fácil saber quando uma
pessoa mudou de time e agora joga no time do inimigo de Jesus: toda pessoa que
julga ter recebido de Deus a chave que abre para os outros entrarem ou que
fecha para que ninguém entre – esse tal já está fora e não sabe ou não quer
admitir.
“As chaves do Reino de Deus”,
conforme Jesus mencionou a Pedro, não é uma chave que serve no portão do céu. Também
não é uma chave para o coração dos outros. Menos ainda é uma chave que abra
acesso espiritual a ninguém; e que também seja útil a quem julgue que tenha o
poder de fechar para que ninguém entre.
Somente Jesus abre e ninguém fecha –
e fecha e ninguém abre!
“As chaves do Reino de Deus” abrem
apenas onde o braço do homem [e olhe lá!] pode abrir, que é o seu próprio
coração.
E porque essas “chaves do Reino de
Deus” são da natureza íntima que são, é que Jesus diz à Igreja em Éfeso que
eles tinham a chave que poderia abrir a porta para eles mesmos; e tais “chaves
do Reino de Deus” existiam neles para que eles mesmos se abrissem: “Eis que
estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em
sua casa, cearei com ele e ele comigo”.
É nessa despretensão que caminha o
verdadeiro discípulo!
Ele sabe, com alegre surpresa, que
está dentro; porém, não ousa dizer quem está fora; posto que no dia que o faça
seja porque ele mesmo já não esteja dentro.
Somente se preserva em Deus quem anda
nesse espírito.
Os donos das certezas para os outros
são os que estão andando para o buraco assoviando acerca da suposta desgraça
dos diferentes, enquanto a viagem que a pessoa faz seja apenas para o fundo do
buraco, embora ela chame isso de caminho do Reino de Deus.
Portanto, abra o olho; e, enquanto
pode, salve-se do engano.
Salvo em Jesus é quem não tem outra
certeza senão a de que pela graça [favor imerecido] está salvo.
(um texto
de Caio Fábio d’Araújo Filho)
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