Pais e filhos: um mundo! Quantas histórias,
quantos amores, ódios e rancores. Quantas disputas, brigas, anseios pelo olhar,
pelo coração de uma só mulher. A mulher, a mãe, a rainha do lar, gestante de
vida. Ou morte. Na parábola do Filho Pródigo ela não aparece. Morreu?
Culturalmente excluída? Intencionalmente omitida? Quem poderá saber...
O pai e os filhos são nossos personagens, paradigmas.
A história desta família coincide com a nossa. Um pai surpreendente. Filhos
previsíveis. Consideremos, a princípio, os filhos. O mais novo por primeiro,
como se apresenta no Evangelho...
Jovem impetuoso e inconsequente. Mimado
talvez. Impulsivo com certeza. Dirige-se ao pai com um pedido. Quero a parte
que me cabe na herança. Quero agora. Quero tudo. O que o pai pode ter ouvido
neste pedido: Grito de liberdade, cansaço da vida familiar, que eu vivo, é como
morto estivesse. Pesado na balança dos dias, fora e distante, atraem e
estimulam mais do que a monótona rotina doméstica enfadonha. A aventura me espera.
A adrenalina me convida, o céu é o limite!
Herança na mão, pés no chão, cabeça nas
nuvens, mochila nas costas. Conquistas se sucedem, leitos se multiplicam,
paixões se acumulam. Corações partidos, mulheres-objeto, frustrações. Cada
passo, cada cama, cada gole, cada conquista um degrau rumo ao fundo. Fundo de
poço, corpo na lama, comida de porco. Fim da linha. O que eu fiz da minha vida?
Como pude chegar tão baixo? O que ganhei nessa louca corrida? E na casa de Papai...
até empregado tem vida de rei. Ao menos com pão pra comer e roupa pra vestir.
Posso voltar? Papai vai me aceitar? O que faço...? Vou levantar e vou voltar.
Preciso dizer da merda que fiz. Que sou. Que não aguento mais o cheiro. Por
dentro, por fora. Quero voltar. Quero colo. Quero abraço. Quero Papai... Mas
não posso, não me querem, tenho medo, rejeição. E meu irmão? Vou me arriscar.
Vou de volta pra casa. Ficarei de longe. Coração apertado, suspiros em
descompasso. Espero ver Papai... E se ele...?
Uma pausa. E o irmão mais velho? Responsável,
modelo, braço direito. Herdeiro da habilidade paterna. Prático, perfeito. O
filho do pai e da mãe como sonhado, idealizado. Sucessor e herdeiro do nome da
família. Disposto e disponível. Trabalhador incansável. Observador
calculista...
Que barulho é esse? Festa em pleno dia de
semana? De onde? Pra quem? Alguém pode me dizer o que está acontecendo aqui? “É
seu irmão! Voltou pra casa! A festa é pra ele!” Meu Deus, o que sentir? Não
escolho, apenas sinto: Raiva, indignação, injustiça, exploração. Não posso
acreditar. O esbanjador, pilantra, cafajeste, mulherengo e fanfarrão voltou!
Como Papai pode recebê-lo de volta? E pra me afrontar, com Festa! É o cúmulo! É
demais! Preciso encontrá-lo. Quero Papai...
Papai, como pode ser isso? Estou com o senhor
tanto tempo e nunca gastei o que é seu com meus amigos. Nunca lhes dei festa. E
agora, este seu filho torra tudo o que tens, vive vagabundo por aí e volta sem
nada, nenhum tostão e recebe esta recepção?! Isso não está certo! Não é justo!
Se fosse eu, eu...
O que dizer deste pai? Homem de posses. Recursos
adquiridos ou herdados. Fruto alheio ou suor do rosto. Bens e riquezas para
sustentar uma família e agregados. Dois filhos. Diferentes entre si. Diferente
deferência. Desapego. O que é meu é de todos, dos filhos, dos agregados, pra
servir. Queres tua herança? Toma aqui! Queres uma festa pros amigos? Chame-os!
Coração liberal, alma generosa, graça. Seja a um, seja a outro. Na medida de um
e outro. Não nivela por cima nem por baixo. Reparte, compartilha, dá. Dor de ver
um filho partir e presente ficar na expectativa de voltar. Dor de ver outro
filho ficar e presente não estar mesmo querendo tudo dar. Angústias da
paternidade.
Finda-se a história. O mais novo volta. Vista
ao longe, corre o pai, abraçam-se. Vivem de novo! De perto, mas de longe o mais
velho não se conforma. Eu também quero abraço, eu também quero festa, eu também
quero Papai... É, acho que entendi... Não quero herança, não quero coisas, não
quero festa. Quero o que o mano quis. Quero o que todos querem. Quero colo de Papai!
Isso.
Um texto
de Erlo Saul Aurich, gentilmente
compartilhado conosco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário