Pesquisar neste blog

sábado, 1 de agosto de 2015

Quero Colo, Papai...


          Pais e filhos: um mundo! Quantas histórias, quantos amores, ódios e rancores. Quantas disputas, brigas, anseios pelo olhar, pelo coração de uma só mulher. A mulher, a mãe, a rainha do lar, gestante de vida. Ou morte. Na parábola do Filho Pródigo ela não aparece. Morreu? Culturalmente excluída? Intencionalmente omitida? Quem poderá saber...
          O pai e os filhos são nossos personagens, paradigmas. A história desta família coincide com a nossa. Um pai surpreendente. Filhos previsíveis. Consideremos, a princípio, os filhos. O mais novo por primeiro, como se apresenta no Evangelho...
          Jovem impetuoso e inconsequente. Mimado talvez. Impulsivo com certeza. Dirige-se ao pai com um pedido. Quero a parte que me cabe na herança. Quero agora. Quero tudo. O que o pai pode ter ouvido neste pedido: Grito de liberdade, cansaço da vida familiar, que eu vivo, é como morto estivesse. Pesado na balança dos dias, fora e distante, atraem e estimulam mais do que a monótona rotina doméstica enfadonha. A aventura me espera. A adrenalina me convida, o céu é o limite!
          Herança na mão, pés no chão, cabeça nas nuvens, mochila nas costas. Conquistas se sucedem, leitos se multiplicam, paixões se acumulam. Corações partidos, mulheres-objeto, frustrações. Cada passo, cada cama, cada gole, cada conquista um degrau rumo ao fundo. Fundo de poço, corpo na lama, comida de porco. Fim da linha. O que eu fiz da minha vida? Como pude chegar tão baixo? O que ganhei nessa louca corrida? E na casa de Papai... até empregado tem vida de rei. Ao menos com pão pra comer e roupa pra vestir. Posso voltar? Papai vai me aceitar? O que faço...? Vou levantar e vou voltar. Preciso dizer da merda que fiz. Que sou. Que não aguento mais o cheiro. Por dentro, por fora. Quero voltar. Quero colo. Quero abraço. Quero Papai... Mas não posso, não me querem, tenho medo, rejeição. E meu irmão? Vou me arriscar. Vou de volta pra casa. Ficarei de longe. Coração apertado, suspiros em descompasso. Espero ver Papai... E se ele...?
          Uma pausa. E o irmão mais velho? Responsável, modelo, braço direito. Herdeiro da habilidade paterna. Prático, perfeito. O filho do pai e da mãe como sonhado, idealizado. Sucessor e herdeiro do nome da família. Disposto e disponível. Trabalhador incansável. Observador calculista...
          Que barulho é esse? Festa em pleno dia de semana? De onde? Pra quem? Alguém pode me dizer o que está acontecendo aqui? “É seu irmão! Voltou pra casa! A festa é pra ele!” Meu Deus, o que sentir? Não escolho, apenas sinto: Raiva, indignação, injustiça, exploração. Não posso acreditar. O esbanjador, pilantra, cafajeste, mulherengo e fanfarrão voltou! Como Papai pode recebê-lo de volta? E pra me afrontar, com Festa! É o cúmulo! É demais! Preciso encontrá-lo. Quero Papai...
          Papai, como pode ser isso? Estou com o senhor tanto tempo e nunca gastei o que é seu com meus amigos. Nunca lhes dei festa. E agora, este seu filho torra tudo o que tens, vive vagabundo por aí e volta sem nada, nenhum tostão e recebe esta recepção?! Isso não está certo! Não é justo! Se fosse eu, eu...
          O que dizer deste pai? Homem de posses. Recursos adquiridos ou herdados. Fruto alheio ou suor do rosto. Bens e riquezas para sustentar uma família e agregados. Dois filhos. Diferentes entre si. Diferente deferência. Desapego. O que é meu é de todos, dos filhos, dos agregados, pra servir. Queres tua herança? Toma aqui! Queres uma festa pros amigos? Chame-os! Coração liberal, alma generosa, graça. Seja a um, seja a outro. Na medida de um e outro. Não nivela por cima nem por baixo. Reparte, compartilha, dá. Dor de ver um filho partir e presente ficar na expectativa de voltar. Dor de ver outro filho ficar e presente não estar mesmo querendo tudo dar. Angústias da paternidade.
          Finda-se a história. O mais novo volta. Vista ao longe, corre o pai, abraçam-se. Vivem de novo! De perto, mas de longe o mais velho não se conforma. Eu também quero abraço, eu também quero festa, eu também quero Papai... É, acho que entendi... Não quero herança, não quero coisas, não quero festa. Quero o que o mano quis. Quero o que todos querem. Quero colo de Papai! Isso.


          Um texto de Erlo Saul Aurich, gentilmente compartilhado conosco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário