Os apóstolos são apresentados como
testemunhas oculares da vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus. Essa
condição era essencial para o apostolado: Pedro, ao explicar a substituição de
Judas, afirma que o novo apóstolo deveria ser alguém que acompanhou Jesus desde
o batismo de João até sua ascensão (Atos 1:21-22). Essa ênfase mostra que o
apostolado, nesse primeiro momento, não era apenas um cargo, mas um chamado
específico e histórico, impossível de ser replicado posteriormente.
Logo após a descida do Espírito Santo
em Atos 2, vemos a emergência de uma liderança espiritual profundamente
conectada à autoridade do Cristo ressuscitado. Essa liderança, porém, não
permaneceu centralizada nos Doze: à medida que a comunidade se expandia
geograficamente, culturalmente e numericamente, a autoridade apostólica começou
a ser compartilhada com novos líderes locais — numa transição crucial para a
maturidade da Igreja. O primeiro destes líderes é Tiago, irmão de Jesus, que, não sendo um dos Doze, assume um lugar de liderança entre eles. É difícil para
nós, de forma assertiva, apresentar para Tiago uma nomenclatura oficial entre os
Doze, contudo, é de se entender que a Igreja de Jerusalém estava sob seu
cuidado e responsabilidade.
A narrativa de Atos dos Apóstolos
apresenta a formação e consolidação da Igreja como um movimento vivo e pulsante
que nasce com força no Pentecostes e cresce sob a liderança dos apóstolos,
especialmente Pedro, João, Tiago e, mais tarde, Paulo.
Após o Pentecostes, vemos os
apóstolos assumindo o protagonismo na pregação do Evangelho (Atos 2:14-36), nos
sinais e maravilhas (Atos 2:43; 5:12), na disciplina da comunidade (Atos
5:1-11) e na organização dos primeiros ministérios internos (Atos 6:1-6). Eles
não apenas lideravam — fundavam a identidade da Igreja como o novo povo de
Deus.
O crescimento da Igreja forçou mais
transições. Quando o número de discípulos começou a aumentar (Atos 6:1),
surgiram tensões sociais internas. Os apóstolos, percebendo que não podiam se
encarregar de todas as funções, tomam a decisão de delegar responsabilidades:
escolhem sete homens cheios do Espírito e de sabedoria para o serviço prático
da comunidade — os que seriam chamados de “diáconos” mais adiante (Atos 6:3-6).
Esse é o primeiro passo na descentralização da liderança.
Mais tarde, vemos outro marco na
transição: o surgimento de presbíteros (anciãos) em comunidades locais
alcançadas pela pregação do Evangelho. Quando Paulo e Barnabé completam sua
primeira viagem missionária, o texto de Atos 14:23 afirma que “em cada igreja
designaram presbíteros, depois de orar e jejuar”. Esses líderes locais eram
fundamentais para a permanência da fé e da doutrina onde os apóstolos não
estariam mais fisicamente presentes.
A autoridade apostólica é
irreplicável em sua essência (de testemunhas pessoais de Cristo), mas é
transmissível em sua missão: guardar a fé, ensinar a Palavra, cuidar do povo.
Por isso, Paulo dirá mais tarde a Tito (Tito 1:5) que ele deve “estabelecer
presbíteros em cada cidade” — líderes comprometidos com a doutrina apostólica,
íntegros e capazes de pastorear a comunidade.
Atos também mostra que essa liderança
não se restringia a Jerusalém ou aos Doze. Em comunidades como Antioquia (Atos
13:1-3), encontramos profetas, mestres e líderes locais reunidos em oração,
jejum e escuta do Espírito, enviando missionários e organizando a expansão do
Evangelho. Aqui, o Espírito Santo é o verdadeiro “condutor” da Igreja, guiando
tanto apóstolos quanto presbíteros e mestres na direção do Reino.
Com o tempo, vemos os termos
presbítero (ancião) e epíscopo (supervisor ou bispo) sendo usados de forma
intercambiável, como em Atos 20:17-28, onde Paulo convoca os presbíteros de
Éfeso e os chama de “bispos” (episkopoi), responsáveis por “pastorear o rebanho
de Deus”. Essa liderança era local, pastoral e comprometida com a sã doutrina,
sem pretensões imperiais, e em constante serviço sacrificial.
A narrativa de Atos nos mostra que a
transição da liderança apostólica para os presbíteros e bispos não foi um
projeto institucional burocrático, mas um movimento do Espírito Santo em
resposta às demandas da missão e ao crescimento da Igreja.
Os apóstolos lançaram os fundamentos
da fé. Os presbíteros, então, passaram a cuidar, ensinar, proteger e perpetuar
essa fé no cotidiano das comunidades cristãs. Essa transição foi marcada pela
oração, jejum, imposição de mãos e discernimento espiritual — não por cargos
políticos ou estruturas hierárquicas rígidas.
A Igreja Primitiva nos ensina que a
verdadeira liderança cristã é a que serve, ensina e guarda a comunhão da fé. E
sua força não está em sua posição institucional, mas em sua fidelidade à
Palavra e à presença constante do Espírito.
CSTF
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