Nas Escrituras hebraicas, nossos dois livros das Crônicas formavam
originalmente um só. Os tradutores da Versão dos Setenta (cerca do ano 220
a.C.) foram os primeiros a fazer a divisão. Jerônimo (morto no ano 420 d.C.)
adotou esta divisão na Vulgata Latina. Tinha por título a frase hebraica “Dibrey
hay-yamim”, que significa “atos dos dias”, ou relato dos acontecimentos
diários.
A Versão dos Setenta, ou Septuaginta, denomina os livros das Crônicas “Paraleipomena”,
que quer dizer “coisas omitidas” nos livros de Samuel e dos Reis. Contudo, os
livros das Crônicas se ocupam dos mesmos fatos que estes livros, porém os
apresenta com um propósito diferente e de outra forma. O título Crônicas foi
adotado do termo Chronicon, empregado
por Jerônimo. É um nome apropriado.
Parece evidente que quando o cronista se propõe abranger o mesmo terreno
que os livros de Samuel e dos Reis, deseja apresentar os fatos segundo seu
próprio ponto de vista da história do povo de Deus, desde os dias de Samuel até
ao cativeiro. A nação necessitava reconstruir-se sobre sólidos alicerces
espirituais, visto que o longo cativeiro havia produzido uma séria brecha no
que respeita aos ideais e tradições de seu próprio povo. Anteriormente, haviam
pertencido a uma teocracia, na qual se esperava que os dirigentes civis e
religiosos honrassem e obedecessem tanto à verdade divina como à lei.
Israel estivera sob a monarquia persa, cujo rei era estrangeiro e pagão,
nada sabia do Deus de Israel. Só mediante uma vigorosa e estrita organização
eclesiástica pôde a nação manter a unidade religiosa. Quanto mais passavam os
dias, tanto mais se sentiam os judeus convencidos de que a prometida soberania
davídica, perpétua, se prendia mais ao reino espiritual do que ao secular. Daí
que se escrevesse o livro das Crônicas. Não se tratava de uma hábil casta
sacerdotal que desejasse impor suas ideias contra os profetas, como costumavam
declará-lo os críticos liberais. Os que haviam regressado do cativeiro deviam
compreender sua própria relação com o povo de Deus.
Depois de passar em revista a história do homem antes da época de Davi,
o cronista nos aponta o significado superior da promessa feita à linha
genealógica de Davi, especialmente com respeito ao futuro Messias. Acentua-se a
atitude anterior dos reis com referência a assuntos religiosos mais que seus
empreendimentos civis. Acentua-se a imensa importância do templo, do
sacerdócio, dos ritos religiosos e da lei moral. Demonstra-se que quando os
reis desafiam a lei de Deus, são eles apanhados por inequívoco castigo,
enquanto os que honram as ordenanças divinas, esses prosperam.
O livro das Crônicas é acentuadamente didático, e insiste nas bênçãos
recebidas por aqueles que vivem uma vida religiosa autêntica. O livro deve ter
causado efeito estimulante na religião nacional. Ressalta somente as partes da
história que exemplificam a vida eclesiástica (que era agora a única esfera
sagrada); por exemplo, a história das dez tribos apóstatas é abandonada, visto
como não conduz à edificação espiritual.
Os livros das Crônicas, de Esdras e de Neemias estão intimamente
relacionados, e refletem o mesmo espírito. Crônicas é o antecedente dos outros
dois, e se ocupa dos acontecimentos ocorridos depois do cativeiro. O Talmude, e
a maior parte dos escritores judeus, bem como os pais da igreja cristã,
atribuem os livros das Crônicas a Esdras.
Os livros das Crônicas e de Esdras são semelhantes no que respeita à
linguagem e ponto de vista. Têm-se feito objeções no sentido de que as Crônicas
contêm relatos de acontecimentos posteriores à época de Esdras. Poderíamos
muito bem aceitar Esdras como o principal autor (ou compilador), mesmo quando
pudessem ter sido feitas algumas adições mais tarde. Muitos exegetas
conservadores não veem necessidade de reconhecer tais acréscimos.
O livro das Crônicas foi compilado de ricas fontes históricas que
constavam de arquivos anteriores, além de Samuel e de Reis. Um estudo cuidadoso
do livro tem levado muitos comentaristas dignos de crédito a fixar sua data entre
os anos 430 e 400 a.C. Não existe necessidade de admitir uma data posterior.
Alexandre
M. Renwick
Nenhum comentário:
Postar um comentário