A Bíblia pode ser acusada de
tudo, menos de falta de realismo.
Ela diz que fomos expulsos do
Paraíso natural e que agora a natureza produz cardos, espinhos e abrolhos; e
afirma que a terra se tornou hostil, que a sobrevivência passou a ser fabricada
pelo trabalho, pelo suor e pelo esforço; que até o prazer e a esperança de um
filho já viriam marcados pela dor, e daí em diante; pois até os irmãos podem se
odiar e matar.
E continua dizendo que a
tendência do homem era para fazer torres e demonstrações de poder e controle;
bem como cidades que amontoariam os humanos em civilizações em disputa; que,
além disso, ainda havia a serpente, e, com ela, anjos que cobiçavam misturar-se
aos humanos, a fim de degenerar a experiência genuinamente humana.
E anuncia o arrependimento de
Deus pela criação do homem, ao mesmo tempo em que nos apresenta a “esperança de
Deus na Arca”.
Sim, a Bíblia diz que o mundo
acabou. Que tudo foi alagado e coberto de lama e escombros. Que os mares
mudaram e os rios ganharam novos fluxos e leitos.
E garante mais...
Diz que entre os sobreviventes na
Arca havia gente boa e gente nem tanto. Daí a humanidade prosseguir salva da
catástrofe imediata, mas prosseguindo para criar a sua própria.
Então, de certo modo, a Bíblia
deixa o resto do mundo seguir o seu curso e se concentra em um homem: Abrão,
que depois veio a ser Abraão.
Entretanto, é olhando para ele,
tanto para a sua fé quanto para as suas vacilações humanas, que se vê que o
melhor homem é ainda capaz de mentir, de negociar, de trocar a mulher por
sobrevivência, de aceitar soluções que ele sabia que não resolveriam nada;
enquanto isso, via anjos, cria e sofria, mas perseverava; sendo capaz de
obedecer até à morte, até ao absurdo, sempre por causa da fé na Voz que ouvira.
O melhor homem ainda era ambíguo!
Ora, mesmo se concentrando em
Abraão e em sua descendência, o que a Bíblia nos mostra é um microcosmo, talvez
um dos melhores, e, assim mesmo, demonstra a incurabilidade da vaidade, da
arrogância, da prepotência, da vontade egoísta de todos os homens — tendo
Israel como maquete histórica.
E mostra sempre com clareza que a
injustiça atrai a perversidade e que a perversidade chama juízo, o qual sempre
vem, não importando como.
E mostra que se a maldade recebe
maldade, pior ainda é quando a bondade recebe maldade como pagamento.
Porém, ela insiste em que o justo
é punido na punição global da perversidade generalizada, com alguns exemplos de
salvamentos aqui e ali, mas, no geral, o justo vai na enxurrada das maldades
alheias.
Diz que o homem mais Jó, mas
justo, pode sofrer tudo. E sofrer sem saber a razão. E, ainda assim, ter que
manter a fé.
Diz que há ocasiões em que o
homem mau é instrumento de Deus para curar o homem que ainda tem chance de
arrependimento, mesmo que seja sendo levado cativo para o chão das impotências,
na Babilônia, no Egito, ou no mundo inteiro.
Diz que quem fala a verdade corre
o risco de morrer, mas insiste que é para falar assim mesmo, porém, com
sabedoria.
Diz que até Deus quando visitou o
mundo foi crucificado!
E profetiza que até do que
sobrara de bom de Deus no mundo, a Igreja, os discípulos, logo a corrupção
tomaria conta.
E também profetiza que o
testemunho de Jesus não aconteceria quando estivessem falando o “nome de Jesus”,
mas apenas quando um pequenino rebanho estivesse vivendo o Evangelho na Terra.
No meio de tudo se ouve Jesus
dizer: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, pois eu venci o mundo”.
Entretanto, algum diabo, ensinou
aos “cristãos” que não é assim; que com Jesus se pode ter tudo o que a Bíblia e
Jesus nos garantem que não teríamos.
Ou seja: um diabo ensinou que
viveríamos não apenas na terra de Gósen, como os hebreus no Egito, mas também
na terra do “gozem”, como os que viviam em Sodoma e Gomorra.
Sim, algum diabo disse que se
poderia pular do Pináculo do Templo que os anjos nos socorreriam, e pulamos.
Disse que se o adorássemos, continuaríamos donos de nós mesmos, e cremos. Disse
que poderíamos alterar a natureza da matéria, e que os poderes não seriam
abalados.
Para completar, vêm os apóstolos
e nos garantem que é de sofrimento em sofrimento, e de gozo em gozo na fé, que
perseveraríamos a fim de preservar as nossas almas.
E tudo termina na Revelação do
Fim, o Apocalipse.
Portanto, fico chocado quando
vejo discípulos de Jesus crendo que ainda estamos vivendo no Jardim do Éden.
Gente! Dói mesmo! Mas, como me
disse meu pai, babando na UTI sem poder controlar a fluxo do alimento: “Meu
filho! É assim mesmo!”
Quem crê assim, não tem do que
reclamar!
Quem anda assim caminha na fé!
Quem assim sabe, é feliz até
quando chora!
Um texto de Caio Fábio D´Araújo Filho
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