Eu não queria escrever
sobre esse assunto. Definitivamente, não queria, pois já se escreveu muito
sobre os atentados em Paris, ao Charlie Hebdo, à loja de produtos judaicos, da caçada
e da morte dos terroristas, et cetera, et
cetera, et cetera.
Mas não resisti. E resolvi
escrever agora, depois que muita coisa – quase tudo – já foi dito a respeito. Exatamente
para falar de uma coisa sobre a qual pouco foi dito.
Se, por um lado, existe a
liberdade de expressão, de imprensa, de se dizer o que se pensa, por outro lado
existe o direito à crença que se queira ter. Se, por um lado, não deve haver repressão
da liberdade de falar, e por esta deve se zelar, por outro lado também existe a
liberdade de religião, assim como a política, e por liberdades há de se ser
zeloso sempre – e respeitoso.
Se, por um lado houve a violência
física extrema vitimando jornalistas, policiais, pessoas judias, por outro lado
houve a violência psicológica e moral vitimando crenças e fé. Cutucaram a onça com
vara curta; cutucaram um vespeiro com um lápis. Não é lá muito inteligente
isso. Os muçulmanos não são conhecidos exatamente por seu senso de humor. E ainda
há a questão da manipulação política dentro da fé islâmica, a gente sabe disso;
religião e Estado se fundem no radicalismo.
Nada, NADA, justifica
tirar a vida de um ser humano. Isto é uma verdade com a qual a massiva maioria
concorda. Mas, o que está dito no parágrafo anterior também é uma verdade. Não sei
o que poderia justificar ofender as crenças dos outros.
Há pouco, o Papa
Francisco disse que se alguém próximo ofendesse a mãe dele, poderia esperar um
soco como resposta. Achei a declaração dele, no mínimo, honesta. Honestamente,
pense como você reagiria se ofendessem a sua. E, para muitos, sua fé é até mais
importante que a mãe.
Os islâmicos dizem que
esses terroristas não os representam. Acho isso também. Há, porém, um
obsequioso silêncio dos líderes islâmicos; não se posicionam aberta e corajosamente
contra os atentados. Poderiam combatê-los nas internas. São, de certa forma, com
seu obsequioso silêncio, coniventes com a situação.
Mas disso tudo muitos já falaram,
e estou só repetindo discursos já proferidos.
Lá em cima, no segundo parágrafo,
disse que queria falar de uma coisa sobre a qual pouco foi dito. E vamos a isso
agora.
Os atentados foram
justificados por quem os cometeu, dizendo que estavam protegendo a honra de Maomé.
Diziam que Alá tinha que ser vingado. Ouso dizer que eles mesmos não creem nisso.
Repito: se precisam fazer atentados para proteger a honra de seu profeta e
vingar o seu deus, de fato não creem nem no seu profeta, nem no seu deus. Escrevo
deus com minúsculas porque é assim que o vejo sob a ótica dos terroristas. Pelo
respeito que tenho à fé muçulmana, escrevo falando de Alá com maiúsculas, pois, pelo respeito, Ele para mim é Deus, como Deus é o Javé judaico e o Cristo Senhor cristão.
Mas quando se necessita usar de violência para defender honras divinas e fazer
divinas vinganças, essa divindade só pode ser um deus minúsculo, desses bem
pequenos.
Por isso digo que todos
aqueles que usam de violência pelas suas causas religiosas, de fato não acreditam
em seu Deus. Para eles, é só deus. Pequeno. Indefeso. Necessitando de proteção.
De defesa da honra. De vingança. De uma babá.
Se acreditassem em seu
Deus, não precisariam fazer nada. Nada. Por que teriam que mover uma só palha?
Acaso Deus não é supremo,
Todo-Poderoso? Acaso o Alá muçulmano não é capaz o suficiente para cuidar de Si
mesmo e de Seu profeta? Acaso Javé já não deu provas suficientes de Seu
Todo-Poder na antiguidade judaica? Acaso o Cristo dos cristãos, uno com Deus, ressuscitado
e por vir, não pode Se defender? Todos eles precisam que uns hominídeos bípedes
do terceiro planeta do sistema solar, um pontinho minúsculo viajando a milhões de
quilômetros por hora num dos muitos universos possíveis – todos criados por
Deus, lembremo-nos, seja lá como cada religião conceba ou denomine o seu Deus –
saquem de suas metralhadoras, de suas espadas, de suas fundas, para zelarem
pela honraria divina? Será? É mesmo?
Será que Deus olha lá do Seu
“trono”, viaja pelas páginas das revistas, dos jornais e da internet e diz: “Hum,
essa tirinha está me ofendendo. Esse cartunista precisa ser punido. Hum, estou
muito brabo com isso!” Será? É?
Quem usa de violência para
manifestar-se religiosamente, lá no fundo, não acredita no que prega. Não acredita
na supremacia do seu Deus. Não tem fé. Tem fanatismo cego.
E aqui falo de todo tipo
de violência. A que mata, a que manipula, a que extorque, a que invade, a que
desrespeita a diferença, a que minimiza os outros, a que se acha superior. E há
outros tipos. Falo de todos.
Seja qual for a sua fé, a
sua crença – mesmo ateus têm suas crenças –, veja se você já não usou algum
tipo de violência para justificar o seu Deus, para salvar-Lhe a honra. Veja se,
quando você falou da sua crença, ficou incomodado com a indiferença ou o
eventual descaso do outro, a ponto de querer condená-lo. Examine suas reações.
Falando do nosso umbigo
agora, os cristãos têm algumas coisas absolutamente violentas: Quando dividem
as pessoas em dois grupos: os “salvos” e os “perdidos”. Quando assustadoramente
apontam para os que não creem como eles, dizendo que estarão ad infinitum no “inferno” (quando nem
eles sabem o que é, etimologicamente, “inferno”). Quando falam que eles são os “eleitos
do Senhor”, como se alguém, além de Deus, soubesse o que é, de fato, isso. Quando
dizem que amam o “pecador”, mas abominam o “pecado”, mas confundem as duas coisas
e incitam a discriminação e a violência contra quem é “diferente
do padrão por eles julgado como ideal”. Enfim, os cristãos também são muito
bons em cometer violências.
Generalizo? Sim. Mas, se você
não se enquadra nesse grupo, faça das suas palavras, das suas atitudes, da sua
vida um exemplo do que é ser do Espírito de Cristo. Só assim seremos cristãos.
E seremos cristãos
respeitando muçulmanos, judeus, budistas, hindus, religiões afro, ateus, enfim,
vivendo o modo de ser de Cristo.
E qual foi o modo de ser
de Cristo? O amor e a inclusão. Simples assim.
Há cristãos que querem “transformar
a água em vinho”. Quando, o que temos a fazer, é tão-somente “encher as talhas
de água”. Uso aqui o primeiro “milagre” de Jesus como um ensinamento: Nós só
temos que levar a Palavra às pessoas, com todo o respeito e carinho – “encher
as talhas de água”. Operar a conversão no coração das pessoas – “transformar a água
em vinho” – é tarefa de Cristo. Não queira “converter” ninguém. Você não pode. Só
Deus “converte” as pessoas. Apenas leve a Palavra. E, quando esta é acompanhada
pelo respaldo do seu modo de vida, muito melhor.
O que não for assim é, de
alguma forma, violência contra o próximo.
Kurt
Hilbert
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