I
João 2:15-17
Não
amem o mundo nem o que nele há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está
nele. Pois tudo o que há no mundo – a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens – não provêm do
Pai, mas do mundo. O mundo e a sua cobiça passam, mas aquele que faz a vontade
de Deus permanece para sempre.
Na passagem acima João fala do
perigo de se amar o mundo. Primeiro, devemos entender o que é amar, no sentido
empregado nesta passagem, e no sentido que esta palavra tem na Bíblia. Amar
aqui não quer dizer apenas gostar, desejar, querer, ter próximo a si. Amar, no
sentido bíblico, não quer dizer apenas possuir, mas deixar-se ser possuído. Quando amamos a Deus, possuímos, de certa
forma, o próprio Deus, pois possuímos o Seu Espírito, o Seu amor, a Sua graça,
o Seu perdão. Tudo isso possuímos. Mas também, quando nos damos em amor a Deus,
Ele nos possui, pois nos colocamos livremente em Suas mãos, colocamos
livremente a nossa vontade sob a Sua vontade. Então Deus nos possui. Estamos
n’Ele e Ele em nós. É dessa conotação de amor que o Evangelho nos fala. É disso
que João, em sua carta, falava.
Quando amamos ao mundo, nos
permitimos ser possuídos pelo mundo, dominados pelo mundo. É nesse sentido que
Tiago fala que quem quer ser amigo do
mundo faz-se inimigo de Deus (Tiago 4:4). Assim, as coisas do mundo já não
são nossas servas (ou nos servem), mas nós nos tornamos servos das coisas
mundanas. Jesus já ensinava, em Mateus 6:24: “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro,
ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao
dinheiro”. O dinheiro que, segundo muitos, compra tudo e todos, é uma
metáfora que representa bem o domínio do materialismo sobre os seres humanos.
Enquanto o dinheiro nos serve, ok,
mas quando servimos ao dinheiro, aí
nos permitimos ser dominados por ele, perdemos nossa verdadeira liberdade. O
que Jesus e João alertavam era isso: que não sejamos dominados pelo mundo. E o
amor abre a guarda para o domínio. Ao amarmos a Deus, permitirmos, de livre
vontade, ser dominados por Ele. E Ele não nos domina tiranicamente, mas em amor
e segundo a nossa permissão. O mundo não, quando permitimos que ele nos domine,
nos domina com tirania, e depois é muito difícil nos livrarmos desse domínio.
Quero extrair da passagem acima
uma pequena parte e me concentrar nela: Pois
tudo o que há no mundo – a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens – não provêm do
Pai, mas do mundo. Dessa pequena parte, quero focar ainda outra dentro
dela, que está grifada em negrito: a ostentação dos bens. Agora, quero
comentar um pouco do business que
ramos influentes do cristianismo praticam com a fé de incautos, um verdadeiro negócio da fé. É claro que, quando a fé
de alguém está bem, em ordem, em equilíbrio, quando a fé cristã é praticada,
todos os campos da vida sofrem influência positiva desse bem-estar da fé: nossa
personalidade, toda a parte psicológica, a saúde emocional e física, inclusive
a vida social e – por que não? – a vida financeira. Mas tudo isso é resultado,
é conseqüência. Isso não quer dizer que quem está bem na fé necessariamente tem
que estar bem financeiramente, assim como é claro que quem está mal
financeiramente não está, necessariamente, mal na sua fé em Deus. Se essa fosse
a regra, Bill Gates e Eike Batista teriam que ser expoentes notáveis de fé
cristã – não estou dizendo que não são, apenas estou citando duas pessoas
riquíssimas como uma referência bem conhecida. Da mesma forma, o cara que mora
na casinha simples, pega três ônibus para trabalhar na faxina ou de servente de
pedreiro – trabalhos honrosos, por sinal – aos olhos do mundo teria que estar
em má situação de fé, por ter uma condição material humilde. Se essa fosse a
regra, esses seriam exemplos aplicáveis. Mas essa não é a regra de fé. Acontece, porém, que muitas instituições
eclesiásticas de fé cristã defendem essa regra, muitas vezes de forma
inconsciente – outras não.
Ensinam, tais instituições, que
quando podemos ostentar nossos bens materiais, é prova que somos muito
abençoados. E essas instituições incentivam as pessoas a buscar essas coisas
insidiosamente. Pergunto: onde fica buscar em
primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça? (Mateus 6:33). Para sermos
abençoados, ensinam elas, basta que nos tornemos patrocinadores do programa tal, que inscrevamos nossos nomes no livro das grandes conquistas tal, ou que
depositemos fielmente o valor X na agência tal, do banco tal, conta tal, em
nome da igreja tal. Quero deixar
claro o seguinte: muitas instituições e líderes religiosos fazem bom uso de
dízimos, ofertas e donativos. Há gente honesta e boa, como em todos os lugares.
Muitos desses recursos financeiros são usados em ajudas humanitárias, em
campanhas de evangelismo, são destinadas a nobres causas. Assim como há causas
não tão nobres assim... mas isso é da vida. Não estou colocando tudo no mesmo
balaio. Há muito trigo no meio do joio, claro. O que estou dizendo é que a
finalidade máster do verdadeiro discípulo de Cristo não é ostentar bens, não é ter, mas ser. Ser amor, ser alegria, ser paz, ser paciência, ser
amabilidade, ser bondade, ser fidelidade, ser mansidão e domínio próprio.
Enfim, tendo o fruto do Espírito Santo (Gálatas 5:22-23), o cristão verdadeiro
passa a ser o fruto do Espírito
Santo. O verdadeiro cristão, no fim das contas, passa a não ter a bênção, mas ser a bênção.
Jesus não disse “eu tenho”, Ele
disse “eu sou”. “Eu sou o caminho, a
verdade e a vida” (João 14:6). “Vocês
são daqui de baixo; eu sou lá de cima. Vocês são deste mundo; eu não sou deste mundo. Eu lhes disse
que vocês morrerão em seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou, de fato morrerão em seus
pecados” (João 8:23-24). Eu sou,
Ele dizia. A ostentação material diz apenas eu
tenho. A quem Cristo diz “vocês são
daqui de baixo”? Àqueles que buscam as coisas materiais através do caminho
da fé. Para estes Ele diz “eu sou lá de
cima”. A quem Cristo diz “vocês são
deste mundo”? Àqueles que buscam, pela fé, as coisas deste mundo, o materialismo
apenas. Para todos nós Ele diz “eu não sou deste mundo”. Este mundo
não amou Cristo, nem Ele foi dominado por este mundo; ao contrário, Ele nos
ensinava a buscar as coisas eternas. Vivemos neste mudo, mas,
concomitantemente, vivemos em Cristo; estamos no mundo, mas, ao mesmo tempo,
estamos em Cristo. Não somos dominados pelo mundo, mas permitimos que Cristo,
em Seu amor, domine em nós.
Não há nada de errado em sermos
bem-sucedidos em termos materiais. Isso é ótimo! Mas esse não é o ponto central.
O ponto central é nosso bom relacionamento com Deus, demonstrado pelo nosso
relacionamento com o próximo. O mundo em que vivemos é apenas a estrada que nos leva ao destino de nossas almas, para
junto ao absoluto de Deus através de Cristo. É claro que amamos a estrada, mas
a amamos como estrada, não como morada definitiva. Enquanto caminhamos rumo à
eternidade, podemos observar as belezas das paisagens que cercam a estrada,
podemos desfrutar dos prazeres da viagem, mas sem tirar os olhos dos sinais que
nos indicam o caminho, sem nos distrair, pois podemos correr o risco de sairmos
da estrada, de perdermos o rumo, ou de pararmos enguiçados na estrada.
João, sabiamente, alertava que o business da fé que vivenciamos à fuzel
nos dias de hoje não provêm do Pai, mas do mundo. A fé não deve ser um negócio;
a fé é um modo de vida! Isso é bênção.
Eu desejo que possamos evoluir do
cristianismo de resultados materiais, em direção ao verdadeiro cristianismo, em
direção ao verdadeiro relacionamento com Deus, que é eterno.
Por hora é isso, pessoal. Que a
liberdade e o amor de Cristo nos acompanhem.
Saudações,
Kurt Hilbert
UM
LIVRE DISCÍPULO DE CRISTO