Foi porque os “cristãos” não
entenderam que o Evangelho é Jesus que, separadamente de Jesus, criaram uma
outra coisa que deveria ser vista por todos como “o Evangelho”.
Assim, Jesus seria o Cordeiro
da Cruz e da Ressurreição, mas, à parte d’Ele, deveria surgir uma “doutrina de
salvação” conforme o conceito de “doutrina” dos homens — tendo nos gregos os artífices
filosóficos e metodológicos desse “ídolo de pensamentos” patrocinado pelo
Império Romano.
Ora, o Evangelho que se vê
anunciado por Paulo, por exemplo, não é uma “doutrina” conforme o termo se faz
entender por nós, mas apenas uma explanação dos significados salvíficos do que
Jesus fez; e, além disso, uma aplicação de natureza individual, existencial e
também comunitária do significado de se ter crido e aprendido em e de Jesus.
Entretanto, tal explanação
não obedece às lógicas humanas nem se reveste de nada que se assemelhe a um “sistema”,
posto que, para Paulo, não havia nada a ser sistematizado no Evangelho, mas
apenas crido. E o fato de o apóstolo não ficar citando palavras de Jesus,
conforme ditas e registradas nos quatro evangelhos (que já existiam como
informação oral) apenas prova que até mesmo o que Jesus disse não era material
para ser “decorado”; antes, era algo para ser entendido como espírito e como
consciência aplicada à vida.
Foi a esquizofrenia produzida
entre Jesus-Evangelho, de um lado e, de outro, um corpo de doutrinas chamada de “Evangelho” (o qual é feito da sistematização de tudo o que na Bíblia se pode
usar para fundamentar um pressuposto “lógico” acerca de um “plano da salvação”)
justamente aquilo que tornou Jesus tão diferente daquilo que a “igreja” chama
de “Evangelho” e, ao mesmo tempo, tornou a “igreja” tão díspar em relação à
Pessoa de Jesus.
Muita gente diz “o evangelho
está crescendo...” ou “o evangelho está enfrentando resistências...” ou, ainda,
“o evangelho progrediu muito...” — sempre em referência ao crescimento de
adesões religiosas à “igreja”, mas quase nunca pensando que o Evangelho só
cresce para dentro do ser; e qualquer coisa que carregue o seu nome do lado de
fora tem que ser um mero reflexo do que ele gerou no coração.
Todavia, para a “igreja”,
Jesus salva, mas o que o salvo se torna não tem nada a ver com Ele! Aliás, se
ficar parecido com Ele, não serve para a “igreja”. Pois nada incomoda mais a “igreja”
do que alguém que busque ser, radicalmente, como Jesus.
Andar como Ele andou, para a “igreja”,
significa outra coisa. De fato significa comportar-se como a “igreja”
determina, mesmo que isso venha a ser equivalente a negar o modo como Jesus Se
mostrou a todos os seres humanos conforme o registro dos quatro evangelhos.
Na verdade, Jesus é o
Evangelho, pois é somente n’Ele e na fé que converge de modo exclusivo para Ele
que surge o entendimento do Evangelho.
O Evangelho é Jesus, em todas
as Suas histórias, ações, visões, ensinos, interpretações da realidade e,
sobretudo, Sua entrega voluntária, como Cordeiro; e, para além disso, Sua ressurreição!
Para se entender o Evangelho
tem-se que olhar a vida com o mesmo tipo e qualidade de amor que Jesus
demonstrou em Sua existência no tempo e no espaço, ou seja: na Sua encarnação.
O Evangelho só cresce em nós
quando a consciência de Jesus se torna crescente em nós. Isto é ter a mente de
Cristo, segundo Paulo. Portanto, isto é Evangelho.
O Evangelho é o entendimento
segundo Jesus que se torna vida e alegria para quem crê.
Sem tal olhar e sem tal
sentir e pensar, conforme Jesus, não há nada que seja Evangelho. Sim, sem isto
podemos ter quatro evangelhos, mas não temos ainda O Evangelho.
Isto porque O Evangelho não
existe nos quatro evangelhos. Neles temos registros verdadeiros de quem é Jesus
e de tudo o que, sendo essencial, Ele fez e ensinou. Sim, não há nada além de
letras nos registros dos evangelhos, até nos mais originais de todos eles,
posto que o Evangelho não é uma informação, mas sempre uma encarnação da
Palavra.
Por essa razão, do ponto de
vista de Jesus, conforme os evangelhos, o Evangelho tinha a ver com gestos.
Afinal, uma mulher O unge com óleo e Ele diz que aquilo era Evangelho.
Na Bíblia há quatro
evangelhos, mas nenhum deles é Evangelho enquanto não é crido e praticado!
Quando Paulo diz que o
Evangelho é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, ele não se
refere a nenhuma sorte de adesão à “religião da salvação”, mas exclusivamente a
ter crido e obtido, pela fé, o entendimento para provar a salvação como benefício
espiritual já na Terra.
Afinal, Evangelho é Boa Nova.
E que Boa Nova há em quatro evangelhos que não se tornam Evangelho (produtor de
vida e paz) na vida dos papagaios que o decoram?
Há papagaios capazes de
desenvolver inteligência de resolução de problemas de uma criança normal de
seis anos. E com a memória que esses pássaros possuem, se ensinados, decorariam
os evangelhos como uma criança é capaz de fazer quando treinada. Neles, porém,
não haveria nenhum Evangelho.
Evangelho é vir e aprender
com Aquele que é manso e humilde de coração, achar descanso para a alma n’Ele e
trocar a canga da angústia pelo peso-leve de Seu fardo de alegrias.
Evangelho é achar o tesouro
que nos evangelhos é uma parábola!
Evangelho é a chance de
nascer de novo e de ter no coração o reino de Deus!
Evangelho é certeza de
perdão, mas que traz consigo o compromisso com o perdão ao próximo; o que, no
Evangelho, não é um sacrifício, mas algo agradável como um grande privilégio!
Evangelho é ser forte contra
a mentira e doce ante qualquer que seja a confissão de verdade!
Evangelho é a alegria de dar
a vida pelos amigos e até pelos inimigos!
Evangelho é, portanto, andar
como Ele andou; e isto para total benefício de quem O segue em fé!
Evangelho é assim...
igualzinho a Jesus!
E para eu dizer o que é
Evangelho, com minhas imensas limitações, teria que escrever tudo o que vejo,
sinto, percebo e recebo de Jesus todos os dias; além de tudo o que de Sua Graça
vejo nos evangelhos e enxergo como Evangelho de salvação, na minha vida, e na de
todo aquele que crê e busca andar conforme a Sua mente.
Assim, ao invés de buscar
decorar os evangelhos, busque entender o espírito deles, pois Jesus disse: “As
minhas palavras são espírito e vida”.
Enquanto o Evangelho não se
torna um entendimento em fé que nos concede cada vez mais ver, sentir e decidir
conforme Jesus, nenhum benefício do Evangelho chegou até nós.
O Evangelho é Caminho,
Verdade e Vida — e Caminho, Verdade e Vida só estão em Jesus. Portanto, o
Evangelho é Jesus e Jesus é o Evangelho; e tudo o que não for assim e conforme
o espírito de Cristo, pode até ganhar o apelido de “evangelho”, mas não é
Evangelho.
Ora, é apenas por crer que os
quatro evangelhos só se tornam Evangelho se cridos e praticados como
entendimento e consciência; e também é somente por ter o testemunho de toda a
História da Igreja quanto ao fato de que sem Bíblias o povo fica nas trevas,
mas também que com Bíblias, porém sem ter Jesus como a “chave hermenêutica” da
leitura, o povo fica “evangélico” — que ouso dizer que nem mesmo a Bíblia ajuda
se a pessoa não tiver entendido que Jesus é o Evangelho; e que até na Bíblia
muitas coisas deixam de ser Evangelho pelo simples fato de não terem sido
encarnadas por Jesus como vida.
O local físico onde posso ler
os quatro evangelhos é a Bíblia. Porém, se na leitura eu não olhar tudo a
partir da certeza de que Jesus é o Evangelho, a Bíblia servirá apenas para
dividir e dividir as pessoas em nome de Deus, porém sem Deus em nenhuma das
divisões, todas feitas em nome de verdades de fariseus; as quais, para Jesus,
ainda quando eram verdadeiras, se tornavam mentira, posto que não eram
praticadas pela via do amor que fez Deus Se encarnar em Jesus.
(um texto de Caio Fábio D´Araújo Filho)