Quando o sacrificado é o altar, a
família não é mais lar.
A tragédia do nosso tempo não começou
nas guerras, nem nos escândalos, nem na desordem global. A tragédia da nossa
época começou em silêncio, sem alarde, na mais sagrada das instituições: a
família. E o que causou esse colapso não foi a bala, o veneno, a corda ou a
ideologia. Foi o esquecimento. O esquecimento do central: o altar de cada lar.
Sim, altar. Aquele lugar onde a vida
se tornava celebração. Onde o pão era nosso e não só meu e, mais que alimento,
era presença, partilha, pacto. Onde os olhos se cruzavam, os silêncios se
respeitavam, os afetos se acolhiam. A mesa da casa era sacramento de unidade.
Ali, cada “não” era gesto pedagógico de amor exigente, cada “sim” era
confirmação da dignidade do outro. Era o espaço onde a alma se sentia em casa e
se via em paz.
Mas o altar foi sendo escanteado.
Muitos outros elementos supérfluos foram tomando o centro. O brilho das telas
ofuscou o brilho dos olhos. A mesa virou balcão. O alimento virou fast food. O
tempo virou escassez. A presença virou ausência. E a comunhão virou solidão a
dois, a três, a quatro. A família, célula da vida, foi se tornando uma colônia
de corpos ocupados, mas espíritos vagos, errantes, desconectados da sua
essência.
O que é uma casa sem altar? Um lugar
de passagem. Um abrigo sem raiz. Um cenário, não um lar. A ausência do altar é
a presença do vazio. E o vazio, quando ocupa o centro, engole tudo: o sentido,
a escuta, a ternura, o amor.
Edith Stein dizia: “O mundo não será
salvo por palavras, mas por aqueles que têm alma”. Mas onde estão as almas?
Perdidas na pressa, sufocadas pelo consumo, anestesiadas por estímulos. Pascal
já nos advertia: “Toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa: não
saberem permanecer em repouso dentro de um quarto”. E como repousar num lar sem
comunhão, sem silêncio fecundo, sem oração compartilhada?
Levinas recorda: “É no rosto do outro
que Deus me interpela”. Mas quando foi a última vez que você olhou no fundo dos
olhos de quem mora com você? Quando foi a última refeição que foi também bênção?
Quando a palavra “família” se desconectou da palavra “sagrado”?
Nietzsche, com amarga profecia, já
dizia: “Deus está morto”. Mas talvez o que esteja morto seja a nossa
sensibilidade para perceber Sua presença nas coisas simples. Não porque Deus se
ausentou, mas porque expulsamos o altar da casa, transformamos o sagrado em estorvo,
o amor em tarefa, o outro em ameaça.
A Psicologia nos grita: o trauma
nasce da desconexão. Winnicott ensinava que uma criança só se desenvolve se for
“sustentada pelo ambiente suficientemente bom”. E que ambiente é esse, senão um
lar onde há mesa, afeto, limite, oração e presença? Um lar onde o adulto é
referência, onde a escuta é medicina, onde o tempo é dom?
Mas vivemos o tempo da substituição:
troca-se afeto por presentes, tempo por distrações, limites por
permissividades. Não se conserta mais nada: nem aparelhos, nem relações. E é aí
que o suicídio se infiltra. Não como ato final, mas como processo silencioso.
Uma morte por dentro, em parcelas. Começa com a ausência de sentido, passa pela
falta de lugar no coração do outro, termina na desesperança.
Sim, o suicídio começa, muitas vezes,
quando se retira o altar do centro. Porque onde não há altar, não há comunhão.
Onde não há comunhão, o sentido se desfaz. Onde o sentido se desfaz, a vida se
torna peso. E onde a vida pesa demais, a morte parece alívio.
Mas ainda há tempo! O altar pode ser
restaurado. Não com ouro, mas com gestos. Não com velas, mas com escuta. Não
com atos vazios, mas com refeições cheias de amor. O altar pode voltar ao
centro se cada um voltar a si mesmo, e ao outro. Se a casa deixar de ser hotel
e voltar a ser lar. Se a refeição deixar de ser função e voltar a ser comunhão.
Cristo continua à porta e bate (Ap. 3:20).
Mas não entra à força. Ele espera ser convidado à mesa. Ele espera que o altar
seja reerguido. Porque onde Ele é o centro, o vazio dá lugar à plenitude, a
morte cede à vida, o desespero se curva diante da esperança.
Oxalá, cada casa se torne de novo
santuário. Cada mesa volte a ser altar. E que o amor volte a ser pão, presença
e sacramento de comunhão! E neste santo lugar aprendamos a ouvir: “Tira as
sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa” (Êx. 3:5).
E toda casa onde há altar… é terra
santa, meu irmão.
(um texto do Pe. Prof. Ddo. André Varisa)
Obs.: o título do texto foi criado pelo administrador deste Blog.
Exatamente! Amém!
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