Pesquisar neste blog

domingo, 7 de setembro de 2025

O Altar da Mesa de Casa


 

Quando o sacrificado é o altar, a família não é mais lar.

 

A tragédia do nosso tempo não começou nas guerras, nem nos escândalos, nem na desordem global. A tragédia da nossa época começou em silêncio, sem alarde, na mais sagrada das instituições: a família. E o que causou esse colapso não foi a bala, o veneno, a corda ou a ideologia. Foi o esquecimento. O esquecimento do central: o altar de cada lar.

Sim, altar. Aquele lugar onde a vida se tornava celebração. Onde o pão era nosso e não só meu e, mais que alimento, era presença, partilha, pacto. Onde os olhos se cruzavam, os silêncios se respeitavam, os afetos se acolhiam. A mesa da casa era sacramento de unidade. Ali, cada “não” era gesto pedagógico de amor exigente, cada “sim” era confirmação da dignidade do outro. Era o espaço onde a alma se sentia em casa e se via em paz.

Mas o altar foi sendo escanteado. Muitos outros elementos supérfluos foram tomando o centro. O brilho das telas ofuscou o brilho dos olhos. A mesa virou balcão. O alimento virou fast food. O tempo virou escassez. A presença virou ausência. E a comunhão virou solidão a dois, a três, a quatro. A família, célula da vida, foi se tornando uma colônia de corpos ocupados, mas espíritos vagos, errantes, desconectados da sua essência.

O que é uma casa sem altar? Um lugar de passagem. Um abrigo sem raiz. Um cenário, não um lar. A ausência do altar é a presença do vazio. E o vazio, quando ocupa o centro, engole tudo: o sentido, a escuta, a ternura, o amor.

Edith Stein dizia: “O mundo não será salvo por palavras, mas por aqueles que têm alma”. Mas onde estão as almas? Perdidas na pressa, sufocadas pelo consumo, anestesiadas por estímulos. Pascal já nos advertia: “Toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa: não saberem permanecer em repouso dentro de um quarto”. E como repousar num lar sem comunhão, sem silêncio fecundo, sem oração compartilhada?

Levinas recorda: “É no rosto do outro que Deus me interpela”. Mas quando foi a última vez que você olhou no fundo dos olhos de quem mora com você? Quando foi a última refeição que foi também bênção? Quando a palavra “família” se desconectou da palavra “sagrado”?

Nietzsche, com amarga profecia, já dizia: “Deus está morto”. Mas talvez o que esteja morto seja a nossa sensibilidade para perceber Sua presença nas coisas simples. Não porque Deus se ausentou, mas porque expulsamos o altar da casa, transformamos o sagrado em estorvo, o amor em tarefa, o outro em ameaça.

A Psicologia nos grita: o trauma nasce da desconexão. Winnicott ensinava que uma criança só se desenvolve se for “sustentada pelo ambiente suficientemente bom”. E que ambiente é esse, senão um lar onde há mesa, afeto, limite, oração e presença? Um lar onde o adulto é referência, onde a escuta é medicina, onde o tempo é dom?

Mas vivemos o tempo da substituição: troca-se afeto por presentes, tempo por distrações, limites por permissividades. Não se conserta mais nada: nem aparelhos, nem relações. E é aí que o suicídio se infiltra. Não como ato final, mas como processo silencioso. Uma morte por dentro, em parcelas. Começa com a ausência de sentido, passa pela falta de lugar no coração do outro, termina na desesperança.

Sim, o suicídio começa, muitas vezes, quando se retira o altar do centro. Porque onde não há altar, não há comunhão. Onde não há comunhão, o sentido se desfaz. Onde o sentido se desfaz, a vida se torna peso. E onde a vida pesa demais, a morte parece alívio.

Mas ainda há tempo! O altar pode ser restaurado. Não com ouro, mas com gestos. Não com velas, mas com escuta. Não com atos vazios, mas com refeições cheias de amor. O altar pode voltar ao centro se cada um voltar a si mesmo, e ao outro. Se a casa deixar de ser hotel e voltar a ser lar. Se a refeição deixar de ser função e voltar a ser comunhão.

Cristo continua à porta e bate (Ap. 3:20). Mas não entra à força. Ele espera ser convidado à mesa. Ele espera que o altar seja reerguido. Porque onde Ele é o centro, o vazio dá lugar à plenitude, a morte cede à vida, o desespero se curva diante da esperança.

Oxalá, cada casa se torne de novo santuário. Cada mesa volte a ser altar. E que o amor volte a ser pão, presença e sacramento de comunhão! E neste santo lugar aprendamos a ouvir: “Tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa” (Êx. 3:5).

E toda casa onde há altar… é terra santa, meu irmão.

 

(um texto do Pe. Prof. Ddo. André Varisa)

 

Obs.: o título do texto foi criado pelo administrador deste Blog.

Um comentário: