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domingo, 23 de novembro de 2025

O Espelho e a Inveja


Quando o brilho do outro revela a sombra em nós.

 

A inveja é o amor que adoeceu. É a admiração que se recusou a aprender e preferiu atacar. Quando o outro prospera, não é o sucesso dele que nos fere, é o reflexo daquilo que poderíamos ser, mas não tivemos coragem de nos tornar. Santo Agostinho já advertia: “O orgulho não é grandeza, mas inchaço; e o que está inchado parece grande, mas não é sadio”. A alma invejosa é uma alma inchada, vive de comparações, não de vocações.

Nietzsche via na inveja um sintoma da “moral dos escravos”, aquela que condena o êxito alheio porque teme a própria liberdade. Freud, por sua vez, chamava isso de narcisismo das pequenas diferenças, o incômodo que surge quando o outro, tão semelhante, alcança algo que julgávamos inalcançável. Kierkegaard dizia que “o desespero é a doença mortal”, e talvez o desespero moderno seja perceber que o vizinho floresceu no mesmo solo onde eu estagnei.

Na psicologia, Winnicott lembra que a maturidade é suportar o sucesso do outro sem perder o próprio valor. O imaturo não suporta o brilho alheio porque vive da comparação, não da autenticidade. Carl Jung completaria: “Tudo o que nos irrita nos outros pode nos levar a compreender a nós mesmos”. O que chamamos de crítica moral muitas vezes é apenas uma confissão pública de inferioridade disfarçada de virtude.

Han observa que a sociedade do cansaço transformou a inveja em ressentimento crônico: o sujeito contemporâneo não suporta a felicidade alheia porque perdeu o sentido da própria. Hannah Arendt chamaria isso de banalidade da inveja, a incapacidade de pensar por si e a fuga da responsabilidade de agir. Viktor Frankl, sobrevivente do absurdo, ensinou que a vida sempre tem sentido, inclusive no fracasso; mas só encontra sentido quem decide se levantar.

Do ponto de vista da neurociência, Antonio Damásio mostra que emoções como a inveja ativam áreas do cérebro ligadas à dor física; invejar é, literalmente, sofrer. Já a psiquiatria clássica, em nomes como Karl Jaspers, identifica na inveja a cisão entre o eu real e o eu ideal: quanto maior o abismo entre quem sou e quem gostaria de ser, maior o ódio projetado em quem conseguiu.

O Evangelho, sempre atual, desvela o mesmo mistério: Caim mata Abel não por maldade pura, mas porque não suportou ver a oferta do irmão aceita. Jesus, o maior dos psicólogos da alma, advertiu que “é de dentro do coração humano que saem as más intenções” (Marcos 7:21). O problema nunca está no outro, mas no espelho que ele se torna.

É tempo de curar a inveja, essa lepra da alma. A cura começa quando aplaudimos quem venceu e nos comprometemos a crescer também. Prosperar não é pecado. Pecado é escolher a arquibancada e cuspir naqueles que ousaram correr.

 

(um texto do Pe. Prof. Ddo. André Varisa)

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